O Glasnevin é o maior cemitério da Irlanda. Sim, eu fui fazer um passeio num cemitério.
Mas calma, eu não sou creep não. Glasnevin é um cemitério histórico e tem museu também, eles fazem tours guiados (fomos num domingo no tour das 14h30) e estudante tem desconto (acho que foi uns 6 euros).
O tour começa em uma das salas do museu, onde o guia falou brevemente do que veríamos nas quase duas horas do passeio - túmulos de personalidades históricas na Irlanda, famílias importantes e muitos fatos curiosos e interessantes sobre Dublin e o país de forma geral.
Pra começar o guia brincou dizendo que tem mais gente enterrada naquele cemitério do que viva em Dublin: são mais de um milhão e meio de pessoas debaixo da terra contra um milhão e cem mil acima dela. Bizarro, né? É que Glasnevin é cemitério antigo: existe desde 1832.
E não dá pra falar do começo disso tudo sem citar aquela história toda de Inglaterra dominando aqui, sabe? Aquela velha história: no século 18 os católicos não tinham direito a nada por essas bandas e nem cemitério pra enterrar seus mortos eles tinham. Aí um tal de Daniel O'Connell entrou na parada dizendo que não havia lei que proibisse católicos de serem enterrados com protestantes - e foi aí que todos passaram a ser enterrados lá.
Sim, você não leu errado não: falei do O'Connell, aquele que empresta seu sobrenome à rua mais larga da Europa e mais famosa da capital irlandesa. Ele é conhecido como "the Liberator" e foi responsável pela emancipação dos direitos dos católicos na Irlanda. Na verdade, ele se envolveu com muita coisa política durante sua vida e muitos grandes líderes que vieram depois dele (Gandhi, Luther King, etc) o descreveram como um grande homem, grande líder.
Mas eu não vou contar nada muito político aqui, vou contar o que achei mais interessante no tour do cemitério: dizem as más línguas que o homem não era lá muito fiel e que teve filhos espalhados pela Irlanda. Aparentemente um desses filhos seguiu para os Estados Unidos na época da Grande Fome e perpetuou a família, atenção, Kennedy. Sim, reza a lenda que Kennedy e O'Connell são parentes distantes.
Será? |
O'Connell tem uma torre circular só pra ele no cemitério de Glasnevin e uma cripta onde todas as gerações de O'Connells são enterrados até hoje. Seu caixão inclusive está lá - segundo o guia, dá boa sorte tocar no caixão, o que logicamente nós fizemos! Uma última informação interessante: já nos seus últimos momentos, O'Connell foi pra Geneva, na Itália e declarou antes de morrer que seu coração era da Itália, seu corpo da Irlanda e sua alma do céu. Levaram a declaração dele ao pé da letra, porque o corpo foi trazido pra Irlanda mas adivinha? Sem o coração! Nunca se teve notícia do coração de Daniel e onde ele estaria na Itália...
Torres circulares, bem típicas aqui na Irlanda |
Eu toquei - vai que a história de dar sorte é verdade mesmo? |
Depois o guia seguiu para um outro túmulo famoso: o de Charles Parnell, que também empresta seu sobrenome pra uma rua bem famosa pros intercambistas que vão no "australianos" e no Cineworld... Parnell também foi político e nacionalista irlandês, mesmo tendo estudado a vida toda na Inglaterra e tendo família britânica. Parnell dizia que queria ser enterrado de modo simples, com o povo, e sua vontade foi atendida:
Parnell foi enterrado em cima de um "lote" de milhares de pessoas que morreram de cólera em 1832 - houve uma grande epidemia na cidade e os que não resistiram foram enterrados ali. Só que, veja só, ao passo que os corpos se decompunham e chovia em Dublin (porque sim, aqui chove demais), a água da chuva foi levando a cólera presente nos corpos e no solo pra um rio que passava ali perto - sim, foram super espertos e construíram um cemitério perto de um rio. Aí a água do rio levou a cólera pra cidade de novo e houve um novo surto da doença. Descobriram a causa e fizeram mudanças no cemitério pra que isso não acontecesse mais.
Ainda durante o tour o guia falou bastante de Éamon de Valera, o primeiro taoiseach (primeiro-ministro) da Irlanda e figura importantíssima e polêmica no século XX no que diz respeito ao 1916 Rising, Guerra Civil e independência irlandesa. O guia contou histórias bem legais a respeito dele, mas nesse momento do tour começou a chover e ventava tanto (e eu tava com um simples all star, devia ter ido de bota quentinha) que eu não conseguia sentir os dedos dos pés, aí desconcentrei legal nessa parte, infelizmente.
Outro túmulo famoso por ali é de Michael Collins, líder revolucionário irlandês com envolvimento fortíssimo nos movimentos de independência irlandesa; aliás, ele é considerado o grande herói da luta pela independência. Até hoje, toda semana, um grupo de pessoas vai lá deixar flores:
Um dado curioso sobre o cemitério de Glasnevin é que na virada do século XIX, com o advento das escolas de medicina, muitos corpos passarem a ser, atenção, roubados de suas covas. É que os médicos e estudantes queriam fazer experiências e tal e pagavam os "body snatchers" pra eles pegarem corpos na calada da noite. Como seria complicado cavar tudo de novo, eles tinham uma técnica: cavavam na parte de trás da lápide, quebravam um pedaço do caixão e puxavam o corpo com uma corda:
Enfim, quando o tour terminou pudemos conhecer um pouco do museu, mas infelizmente ele já tava pra fechar e não deu pra ver tudo que gostaríamos, mas fica pra próxima. Recomendo muito um passeio ao Glasnevin, foi sem dúvida um dos melhores e mais completos que fiz na Irlanda!
Tem estátua do Larkin lá na O'Connell, já repararam? |
Registros de todos enterrados no cemitério |