Quando a Bia foi pra Alemanha ela já havia comentado desse campo e quando fui pra Berlim considerei a visita mas deixei a ideia guardada. Eu tava com minha mãe e irmão e no domingo (dia 5 de janeiro) eles pegariam um voo pra Roma no período da manhã; meu voo pra Dublin seria somente à noite. Sendo assim, resolvi que ir pro campo seria um bom passeio que ocuparia o dia todo e eu não precisaria ficar andando pra lá e pra cá pela cidade sozinha.
No nosso segundo dia em Berlim fizemos o walking tour na cidade e a guia comentou que eles faziam passeios guiados pra um campo chamado Sachsenhausen. Achei mais interessante do que ir sozinha e usar áudio-guias, então comprei o ingresso antecipadamente por 12 euros.
No domingo acompanhei minha família até a estação Ostbahnhof (onde havia lockers e eu deixaria minha mochila pelo dia) pra pegar o trem pro aeroporto. De lá segui pro Checkpoint Charlie dar uma volta e andei pelas ruas até dar a hora do tour.
Às 11:00 o grupo saiu do ponto de encontro e fomos até o metrô, onde pegamos o S1 até a estação Oranienburg, que fica fora da cidade de Berlim. A viagem deu uns 45 minutos.
Fiquei assustada porque o grupo era muuuuuuuito grande. Não contei, mas tinha mais de 50 pessoas fácil. O guia pediu desculpas e disse que isso não interferiria no tour, mas pra mim, atrapalhou. As pessoas foram respeitosas, ninguém ficou fazendo barulho ou falando enquanto o guia explicava, mas eu me sentia numa corrida pra conseguir chegar perto dele pra ouvir melhor, já que se eu ficasse um pouco mais longe, todo mundo taparia minha visão.
Fora esse detalhe que me incomodou bastante, o guia foi ótimo. Dominava o assunto e falava de tudo com muita seriedade e propriedade.
No início ele entregou um mapa do local e falou brevemente dos pontos pelos quais passaríamos. Estava um dia muito nublado, frio e levemente chuvoso, o que acabou acrescentando pro clima triste do dia.
O trabalho liberta |
Sachsenhausen foi um dos primeiros campos de concentração e servia como modelo e centro de treinamento de oficias do partido nazista. Ele era um campo que concentrava somente homens (eles eram levados lá pra trabalhar; a ideia é que morressem de tanto trabalhar). O guia levantou varias questões interessantes acerca de muuuuita coisa. Não tomei nota de nada, mas acabei escrevendo muita coisa desse post no celular mesmo, enquanto esperava meu voo de volta pra Dublin.
Ah, antes de começar de verdade (eu sei, só tô enrolando), quero dizer que as fotos utilizadas nesse post não são minhas. Explico: como meu irmão levou minha câmera pra Roma fiquei somente com o celular, e apesar da qualidade das fotos com o celular não ser ruim, eu desanimo sem a câmera. Tirei umas fotos meia-boca e postei uma delas no instagram. Aí um amigo viu e disse: "Ah, isso aí é Sachsenhausen, né? Eu já fui pra lá e tenho várias fotos. Você quer pra colocar no blog?". Poxa, quanta generosidade! Quem dera o mundo tivesse mais gente assim, né, André? Muitíssimo obrigada, suas fotos estão lindíssimas!
Os funcionários
Sim, muitas pessoas que trabalhavam nos campos acreditavam na purificação da raça alemã e todas aquelas outras ideias absurdas que os nazistas tinham. No entanto, muitos estavam nessa por outros motivos: um jovem de 20 e poucos anos, por exemplo, certamente deveria servir na guerra. Mas eles sabiam que ir pra guerra era praticamente sinônimo de nunca mais voltar, né? Uma opção a esse destino era trabalhar para os nazistas nos campos de concentração. Além disso, eles poderiam fazer carreira lá (como comandantes, essas cosias), ter um bom salário, status, moradia boa e férias e tudo mais. Ou seja, fiquei refletindo muito sobre a situação desses jovens que "não tinham escolha"...
Os prisioneiros
A princípio, os prisioneiros de Sachsenhausen eram comunistas, "inimigos do Estado". Com o tempo foram chegando outros alvos dos nazistas: homossexuais, "ciganos", criminosos, testemunhas de Jeová e principalmente judeus.
Eles acreditavam que estavam sendo levados para novas moradias e que seriam dados oportunidades de trabalho - por conta disso, faziam sua mala e levavam seus pertences mais valiosos. Ao chegar no campo, os guardas tomavam seus pertences, mandavam os prisioneiros se despir (iniciando desde já o processo de humilhação e desumanização dos mesmos) e raspavam suas cabeças para que não restasse nenhuma característica pessoal e única dos indivíduos.
Eles deveriam estar organizados em fila todos os dias às 5 da manhã no pátio principal, onde os guardas faziam chamada todos os dias. Cada prisioneiro vestia um uniforme com um número e ao lado do número, uma cor identificava a que grupo ele pertencia (vermelho para inimigos do Estado, rosa para homossexuais, amarelo para judeus, etc) já que grupos diferentes tinham tratamento diferente - os judeus e homossexuais tinham o pior tratamento possível.
Depois da chamada eles eram designados as tarefas do dia - trabalho manual pesado por muitas horas sem alimentação adequada (pão e água para o café da manhã - pão mofado muitas vezes, inclusive). Eles caminhavam quilômetros até as fábricas próximas da região (inclusive de enpresas que existem até hoje, como Siemens) e trabalhavam. Trabalhavam até morrer. A expectativa de vida no geral era de duas a três semanas.
A prisão
A prisão é em formato de um triângulo, o que possibilita controle total do que acontece lá dentro, já que com torres de observação nas pontas é possível ver tudo o que acontece. Um dos prédios que ficava fora desse triângulo eram as prisões - os prisioneiros não sabiam o que acontecia ali, mas sabiam que caso quebrassem as regras seriam punidos lá. Os nazistas deixavam os presos em solitárias por muito tempo para enfraquecê-los não só fisicamente como mentalmente - tudo com o intuito de interrogá-los para obter informações depois.
Para os que não tinham informações ou os que não queriam falar, havia torturas físicas, daquelas bem horríveis que nem quero descrever...
Extermínio
Esse campo de concentração era um campo de trabalho, mas com os anos o número de prisioneiros aumentava e eles não tinham onde colocar essas pessoas - passaram então a eliminá-las. Só que eles criaram todo um teatro para que os prisioneiros não soubessem que iriam morrer, já que se soubessem, possivelmente se tornariam inquietos e até violentos. Eles chamavam os prisioneiros para um outro prédio fora do campo e diziam que era um exame de rotina. Tinha sala de espera e tudo, como se fosse um consultório mesmo. O "médico" pedia pra abrir a boca (não porque estava examinando, mas porque os alemães queriam ver se as vítimas tinham dente de ouro) e depois pedia para que eles ficassem em pé numa parede com um medidor de altura, tipo aqueles que você mede o seu tamanho quando é criança, sabe? Só que EXATAMENTE atrás dessa parede havia uma sala com um oficial pronto pra atirar na nuca dos prisioneiros, um a um. Eles não imaginavam que ali seria seu fim.
Algum tempo depois testaram câmaras de gás no local, mas elas eram pequenas e portanto, não muito eficientes, já que matavam poucas pessoas ao mesmo tempo. Outro tipo de extermínio era juntar alguns prisioneiros numa vala e atirar.
Propaganda
O mais bizarro de tudo é que teoricamente ninguém de fora sabia o que os campos realmente eram. As pessoas viam na televisão, liam no jornal e ouviam no rádio que os campos eram de reabilitação e reintrodução daquelas pessoas na nova sociedade alemã; para que isso fosse crível havia um departamento responsável por criar essa imagem bonita dos campos, e o chefe e cabeça desse departamento era Goebbels.
Em Sachsenhausen há algumas exibições de fotos e em algumas delas, vemos os prisioneiros de casacos, com cabelo, apresentáveis. A ideia era mostrar o quão bem tratados eles estavam sendo, quando na verdade aquilo era tudo mentira. A dúvida que fica é se as pessoas realmente acreditavam nisso, se fingiam acreditar, se sabiam mas ignoravam...
Os experimentos
Lá também aconteciam aqueles experimentos bizarros de guerra que a gente ouve falar (tipo cortar o pênis de homossexuais por acharem que isso seria a cura deles). Durante o tour, tivemos a oportunidade de entrar no local onde eles eram feitos e também no subsolo, onde ficava o necrotério. Não vou mentir: senti arrepios naquele lugar. Não tem mais nada, somente os azulejos nas paredes, mas que dá uma sensação horrível, isso dá.
A libertação
Quando a guerra acabou em 1945, um grupo de soldados soviéticos chegaram no campo e encontraram cerca de 3 mil pessoas. As outras mais de 10 mil que estavam no campo foram retiradas de lá, nas chamadas "marchas da morte", quando os nazistas saíram de lá pro interior do país levando e abandonando esses prisioneiros pelo caminho. Bom, aí os soviéticos chegaram e "libertaram" quem estava lá (que não foram para as ditas marchas pois estavam totalmente sem condições físicas). Só que o que ninguém sabia até poucos anos atrás é que os soviéticos continuaram utilizando esse campo depois da guerra.
Sachsenhausen passou a ser chamado de Campo Especial nº1 e tornou-se o maior dos campos soviéticos. Os presidiários eram funcionários nazistas, anticomunistas e russos, incluindo colaboradores nazistas e soldados que contraíram DSTs. Ao longo dos 5 anos em que o campo esteve ativo, morreram pelo menos 12 mil pessoas lá.
Estátua em homenagem aos soviéticos que libertaram os prisioneiros |
Últimas considerações
O tour terminou no fim da tarde e as pessoas voltaram juntas pra estação de metrô. Voltei pra Berlim com a cabeça fervilhando, emocionada, indignada, impressionada. Ver um campo de concentração de perto é certamente algo que deixa suas marcas, algo que eu certamente indico pra quem tiver a oportunidade.