Dizem que quanto mais línguas você fala, mais fácil aprender outras. De fato, eu acreditava nessa teoria porque obviamente você associa vocabulário facilmente, faz comparações com a gramática, enfim, tem mais bagagem pra segurar bem o idioma novo, né? Infelizmente, tô começando a achar que isso é tudo mentira, porque pra mim tá dando tela azul!
Explico: estudo inglês desde os 10 anos de idade e dou aula desde os 17, ou seja: mais de 15 anos falando inglês e quase 10 em sala de aula - é bastante convivência com o idioma. Enquanto isso, estudei espanhol por 2 anos praticamente interruptos e estudava, fazia exercícios de gramática, ouvia música, etc. Aí fiz aulas de italiano em escola por 1 ano e estudei muito sozinha, bem mais do que qualquer outro idioma.
O que acontece é que eu misturo o espanhol com o italiano, quando na verdade queria era estar falando inglês.
Uma coisa é fato: a língua mãe não se mistura com nada disso, porque a língua mãe tá em outro lugar do cérebro. As novas línguas estão juntas num lugar diferente. Ou seja: ao aprender uma 3ª língua, a confusão será com a 2ª, e não com a 1ª.
O que tá pegando é que eu tenho uma angústia de querer falar inglês que bloqueia todo o resto.
E o bizarro é: não tenho pressão nem motivo específico pra querer falar espanhol ou italiano. Eu gosto de estudar línguas. Amo o assunto, sou apaixonada. Logo, não teria porquê colocar essa pressão toda em mim mesma. E como é que minha mente fica inquieta em toda aula de italiano que faço? Veja alguns exemplos - é constrangedor:
Situação 1 (imagine que ao invés de português, estamos falando italiano e que tudo em parênteses é o que estava pensando na hora):
Professor: [...] e como hoje faremos conversação, vamos começar a falar de situações específicas. Por exemplo, você se lembra de alguma situação em que se sentiu em perigo?
Eu: Ah, claro! Há alguns anos, quando fui pra Natal com minha família. Não sei se você conhece, mas Natal tem muitas.... er, pérai (não sei como fala duna - vou perguntar como fala areia pra poder explicar a duna). Sabe na praia? Na praia tem água e....?
Professor: Areia.
Eu: Sim, areia! Obrigada. Então, como se chama uma montanha de areia?
Professor: Dunas.
Eu: Isso, dunas! Então, lá tem muitas dunas. E nós estávamos num... buggy (é em inglês, não deve ser diferente). É buggy mesmo?
Professor: Sim.
Eu: Nós estávamos num buggy e o buggy (não sei falar capotou - vou mostrar com a mão) o buggy quase...
Professor: Virou?
Eu: Iiiisso! Como escreve?
Professor escreve a palavra pra mim.
Repito a frase: "o buggy quase virou"
Continuo: Mas não virou porque o (como fala motorista mesmo? não sei, vou descrever) o homem que... (PORRA, COMO FALA DIRIGIR EM ITALIANO MESMO? NÃO É MANEJAR, MANEJAR É ESPANHOL, ARGHHH) o homem que.... como se diz "drive" em italiano mesmo?
Professor: Guidare.
Eu: Ah, GUIDARE (porra, eu conheço essa palavra, que ódio). O homem que dirigia o buggy conseguiu evitar o acidente.
Na situação acima, está clara a minha falta de vocabulário e a minha insegurança ao me expressar. Mas não para por aí. Olha o que acontece quando o inglês é mais forte do que eu:
Professor: e qual é o doce mais famoso no Brasil?
Eu: Ah, o brigadeiro - é um doce de festa!
Professor: e como se prepara?
Explico como se prepara o doce e digo: "Enfim, é um doce muito belo!"
Professor corrige imediatamente: "Muito bom, não belo."
Mas é claro. Só que aqui na Irlanda as pessoas usam gorgeous pra descrever não só pessoas (como eu sempre fiz), mas também o clima e a comida. Não saí falando que o brigadeiro era belíssimo pensando em gorgeous?
Outra interferência do inglês:
Eu: [...] sim, ele é 27 anos de idade.
Professor: ele tem 27 anos.
Eu: Ah é! Em inglês usa o verbo to be pra falar de idade....
Eu sou professora de inglês e dou conselhos de como aprender o idioma mas não consigo eu mesma melhorar meu italiano. Como diz minha mãe: casa de ferreiro....