O lado feio de Dublin

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Dublin, assim como qualquer outro lugar no mundo, não é perfeita. Disso eu sempre soube e pude comprovar aos poucos no meu primeiro ano morando aqui: apesar de agitada, limpa, literária, musical e rica culturalmente, Dublin tem áreas meio barra-pesada, muita gente folgada, transporte caro e não totalmente eficiente e muitos pedintes no centro.

Mas isso é só a ponta do iceberg - o motivo de tantos pedintes e de tanta gente sendo sustentada pelo governo que só vive de badernagem (os tais do knackers) existir vem láááá de trás. A cidade sempre teve pobreza (lembra nesse post que comentei que quando a rainha da Inglaterra veio pra cá e se hospedou no Dublin Castle mandaram construir muros pra esconder as favelas que podiam ser vistas do castelo?): foi a potato famine que matou milhões e deixou outros passando fome ou obrigando-os ir pra outros países a procura de uma vida melhor; foram famílias vivendo amontoadas em casas sem saneamento no começo do século XX... Dublin, apesar de não ter sofrido com os problemas que as Grandes Guerras trouxeram pra Europa de uma forma geral, também lidou com diversos tipos de adversidade ao longo de sua história.

É importante entender o contexto das coisas porque as pessoas adoram falar sem saber, sem ler, sem pesquisar mais a fundo. É claro que eu não especialista nenhuma em história da Irlanda ou qualquer coisa que o valha, mas o mínimo da lição-de-casa, eu fiz. É só pensar e pesquisar um pouco pra saber que o problema dos knackers tá enraizado em outras coisas.

Bom, mas outra coisa contribui pra que essas pessoas continuem agindo como agem: o governo, ao meu ver, é bonzinho demais. O povo vive falando que o Brasil não vai pra frente por causa dos Bolsas-família da vida (conversinha mole de classe média que não sabe porra nenhuma, mas esse não é o foco), mas é porque eles não sabem o que rola aqui na Irlanda. Tá desempregado? O governo te ajuda com uma bolsa. Tem filhos? O governo dá uma bolsa. Tá na faculdade? O governo dá outra bolsa. Enfim, são diversas situações que permitem o cidadão irlandês receber uma graninha do governo assim sem muito esforço. O que mais incomoda na verdade é o lance do desemprego - no Brasil, por exemplo, passados os 5 meses em que você recebe o seguro, cabou. Se não arrumou outro emprego, o problema é seu e justamente por isso o povo corre atrás. Aqui não, o cara fica recebendo dole (como eles chamam a bolsa) praticamente pra sempre se quiser. Aí o infeliz não se interessa em fazer mais nada da vida e gasta o dinheiro comprando roupas da Nike, bebendo em pubs e comprando drogas. Sim, porque não sei se você sabia, mas há um grande número de usuários de heroína em Dublin e a Irlanda está em terceiro lugar na lista de países onde as pessoas mais morrem por conta do uso de drogas (artigo completo e bem interessante aqui).

O centro da cidade, principalmente D1, é bem zoado. Não tô falando da O'Connell nem da Henry, ruas cheias de lojas e bancos, mas das adjacentes, das vielinhas por ali, até mesmo da rua onde passa o Luas. Gente, é um negócio muito tenso! Eu não andei muito por ali nos meus primeiros meses de Irlanda e nunca tinha reparado muito, mas depois de um tempo e algumas caminhadas por ali, vi que a coisa é bem feia.

Tem aquela história que o lado norte da cidade é o ruim e pobre e o lado sul o bacanudo e rico. Isso é mais ou menos verdade, porque tem áreas na parte norte que são bem legais e partes na parte sul que são uó. Eu mesma moro na parte sul, num bairro muito do esquisito. Aliás, na minha rua tem um condomínio de prédios do governo (no melhor estilo Cingapura) cheeeeeeeeia de gente que não faz porra nenhuma o dia inteiro,que briga de madrugada, que só fala gritando e cria os filhos da pior maneira possível. Antes de morar aqui eu morava numa região de Dublin 7 (norte) que era super tranquila, numa rua cheia de residências familiares e nunca vi nada de anormal...

Uma das ruas do meu bairro - não curto muito não...


Então é assim: aqui eu tomo muito cuidado, principalmente no meu bairro (à noite ou quando tô passando perto de molecada à toa) e no centro. Ao atravessar pontes no centro eu seguro a bolsa, celular tá sempre no casaco com zíper fechado ou muito bem escondido na bolsa, não fico de bobeira mexendo no celular porque já ouvi relatos de gente que teve celular tomado de suas mãos enquanto digitavam algo ou enquanto estavam com ele na orelha, falando com alguém. Claro que não é algo do tipo "tenho medo de andar no centro de Dublin porque vão me assaltar apontando uma arma na minha cabeça". Não.

Mas mesmo que os tipos de crime que aconteçam aqui sejam "menores" ou "menos impactantes" do que os que acontecem no Brasil, não deixa de dar uma tristezinha quando ouço falar de alguém que teve bicicleta roubada, que teve bolsa aberta e carteira levada, que foi agredido verbalmente pelos knackers... Gosto muito dessa cidade, mas hoje vejo ela com outros olhos - olhos mais realistas.

Outro grande problema pra mim é o transporte público. Sério. O Luas é devagar, o Dart é velho e demora horrores pra passar e o ônibus é caro e não suficiente pra cidade. Depois da entrada da bicicleta em minha rotina aqui em Dublin, sofro quando tenho que pegar ônibus - muito dinheiro pra um serviço que não corresponde. Em Viena, por exemplo, o cidadão paga 300 e poucos euros num cartão que dá direito a qualquer meio de transporte público (bonde, trem, metrô, ônibus) ilimitado por um ano. Dá o quê, 1 euro por dia? Aqui, só pra comparação: o ônibus da minha casa até o centro dá €2,35 (são uns 15 minutos sem trânsito). O antigo cartão Dublin Bus (não existe mais) custava 90 e poucos por mês e dava acesso ilimitado ao ônibus sim, mas somente por 30 dias e somente nos ônibus. Não tem como comparar, né?

Fora a galera que fuma dentro do ônibus, que faz bagunça... mas isso volta num problema social que já citei aqui.

Enfim... isso é só um relato de alguém que gosta muito da cidade e que justamente por isso, aceita-a por suas qualidades e defeitos.
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