Vamos lá: a Irlanda hoje tem aproximadamente 5 milhões de habitantes, mas já chegou a passar dos 8 milhões. O que aconteceu com esses 3 milhões?
Eles foram vítimas da Grande Fome.
Basicamente, as plantações de batata foram atingidas por um fungo que as destruiu. A batata era refeição principal (e em muitos casos, única) de praticamente todas as famílias irlandesas - a média de consumo de batata podia ser de até 12kg por dia por pessoa! Pense que na época em que o evento da fome foi desencadeado (1840), a Irlanda estava sob domínio inglês e as melhores terras eram de ingleses que a utilizavam para a criação de gado. Sendo assim, retirados dessas terras e forçados a plantarem em pequenos pedaços de terra aqui e ali, os irlandeses recorreram à batata, uma colheita que podia ser produtiva em solo pouco favorável. Os pobres eram totalmente dependentes da batata para sua sobrevivência.
Agora imagine: um fungo ataca as plantações e torna impossível o consumo do tubérculo. O que esses irlandeses fizeram?
Como você pode imaginar, muitos morreram. Milhões. Outros foram embora daqui em busca de sobrevivência em outro lugar - na época a América estava bombando por ser "o novo mundo" e muitos irlandeses entraram em navios pra tentar a vida lá. Os bilhetes custavam caro mas muitas famílias o ganhavam de graça de seus próprios landlords, uma forma dos caras expulsarem os inquilinos de suas terras.
A fome durou de 1845 a 1849 e nesse período a população foi diminuída em mais de 20%.
Em New Ross há um museu que explica mais sobre essa grande tragédia e há a réplica de um navio, o Dunbrook, que fazia o trajeto Irlanda - E.U.A.
O museu é muito completo e a réplica do navio impressionante - há um tour guiado e atores que interpretam personagens da época.
Uma coisa que eu não sabia, por exemplo, é que a Irlanda era muito mais pobre do que eu imaginava. As famílias não tinham nada - os homens trabalhavam o dia todo ganhando pouco e todos viviam com frio e molhados da chuva. A mortalidade infantil era alta e muitas dessas famílias nem inglês falavam.
Agora pense: essas pessoas muitas vezes nem sair de seu vilarejo haviam saído. O que era o conceito de pegar um navio pra América? Imagine o medo do desconhecido. As condições de vida aqui estavam insustentáveis e se ficassem, morreriam de fome - a possibilidade de uma vida no novo mundo soava muito melhor.
Os navios são um caso à parte: grande parte dos passageiros ficava no porão no navio, às vezes por dias sem ver a luz do sol. Não havia comida, a não ser o que você pudesse levar consigo (farinha pra fazer pão, etc). Eram 6, 8 pessoas por cama no porão.
Além de fome, frio e desconforto, haviam outros problemas: doenças. Num ambiente úmido com aproximadamente 200 pessoas, era comum que doenças se espalhassem e matassem passageiros - não à toa esses navios eram chamados de "navios-caixão": em algumas viagens, metade das pessoas morria pelo caminho. Cartas enviadas a amigos e parentes na Irlanda relatavam as horríveis condições da viagem, mas nem isso deteve mais pessoas de emigrarem.
A viagem até o continente americano podia levar até dois meses.
Então além da sua vida ser miserável e você passar por toda essa experiência traumática no navio, você desembarca no Canadá ou nos EUA. E o que acontece? Se você conhece alguém que já foi antes pra lá, pode conseguir abrigo e quem sabe emprego, mas e se está indo por si? Muitos irlandeses acabaram se tornando andarilhos nas cidades que desembarcaram e outros caíram em golpes de bandidos que já sabiam do esquema dos imigrantes ali chegando.
Não só pros EUA e Canadá os irlandeses emigraram: muitos também foram pro Reino Unido e Austrália. Mesmo assim, o maior número deles fez a vida nos Estados Unidos mesmo: hoje, mais de 40 milhões de americanos afirmam ter ascendência irlandesa. Retirado desse site: "O ex-presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy e Henry Ford, inventor do automóvel que leva seu nome, eram descendentes diretos de emigrantes irlandeses que embarcaram nos navios da fome."
Sino do navio original |
A história da Fome na Irlanda é muito triste, mas a visita a esse museu/navio foi de grande valor pra mim. Esse país já passou por muitas adversidades e a população não para de lutar e se mantém em pé. Um grande exemplo a ser seguido.