A verdade sobre as bicicletas em Dublin

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Quando eu comecei a pedalar em Dublin, fiquei maravilhada com a facilidade e praticidade de ver várias ciclovias e tanta gente utilizando a bike como meio transporte. E não era pra menos: em São Paulo eu andava de bicicleta uma vez por ano, quando ia ao parque Villa-Lobos e alugava uma bike por 2 horas. Mas mal sabia eu que andar de bicicleta na capital irlandesa não era bem essas mil maravilhas.

A começar pelo problema principal: o clima. Lembro que quando dizia pras pessoas que pedalei no inverno passado ouvi vários "que corajosa!", "nossa, parabéns" e eu não entendia o porquê. Sim, chovia às vezes, ventava bastante, mas nada que me impedisse de pedalar pro trabalho - dava pra contar nos dedos de uma mão os dias em que precisei deixar a bike em casa por causa das condições climáticas.

Só que aí chegou o inverno 2014/15 e pude entender a surpresa das pessoas com a minha "coragem": que difícil pedalar nessa estação esse ano! Não por causa do frio (apesar dos dedos doerem de frio mesmo usando duas luvas), mas porque pedalar na chuva e/ou contra o vento é frustrante, cansativo e perigoso. No início de janeiro cheguei a deixar a bicicleta quase uma semana parada simplesmente porque não dava pra pedalar. E quando achei que o clima tava melhorando, essa semana começou tão windy que abandonei a bicicleta no caminho na segunda, corri pro Stephen's Green e peguei um Luas pro trabalho.

Em segundo lugar, Dublin, apesar de ter uma boa consciência acerca da bicicleta, tem muitos motoristas que simplesmente estão pouco se lixando pro ciclista. Quantas vezes motoristas disputaram a ciclovia comigo, quantas vezes taxistas passaram raspando comigo e quantos outros ignoraram a minha presença e não me deram passagem quando eu tinha a vez? Aliás, dois "acidentes" aconteceram comigo na mesma região, em Ranelagh: o primeiro em dezembro, pouco antes do Natal, e o outro há algumas semanas.



O cara estaciona o carro na ciclovia. Você está passando e precisa dar a volta no carro, logo, precisa prestar atenção nos carros da pista, sinalizar com o braço que você está desviando e tal. Aí você está linda e bela passando quando o filho da puta do motorista que estacionou na SUA ciclovia abre a porta do carro e BAM! Te derruba! A primeira vez que isso me aconteceu a bicicleta caiu em cima de mim e eu fiquei em estado de choque. O motorista se desculpou, ofereceu chá, água, ficou um tempão comigo na calçada (e um outro cara que ia passando também parou pra ajudar) e eu chorei de susto.

A outra vez foi uma mulher que abriu a porta entre mim e um carro e por sorte eu vi que ela estava abrindo a porta - consegui acionar o freio e não caí da bicicleta.

Além de tudo isso, tem o lance da cidade não ser das mais planas (eu subo um morro pro trabalho que ó, deveria estar com as pernas bem mais torneadas pro esforço que faço!) e das ciclovias serem ou inexistentes em vááááááárias ruas, ou minúsculas, esburacadas e assim por diante.





Ah, e eu comentei que não dá pra levar bicicleta no transporte público? Pois é. Só pra efeito de comparação, em São Paulo dá pra levar a bike após às 20h30 durante a semana, a partir das 14h aos sábados e o dia todo no domingo no metrô. Pra mim seria super interessante aqui, porque num dia de muito vento ou chuva eu poderia pedalar até o centro, pegar o Luas, descer na estação próxima ao trabalho e pedalar até lá, que já não é tão pertinho assim. Mas eu posso? Eu posso? Não. Só se for daquelas bicicletas dobráveis (que custam os olhos da cara).

Fora todas esses apontamentos, tem a questão de estacionar a bicicleta em si: não é raro ver bikes com dois cadeados e correntes pra prendê-la, já que aqui é comum o roubo de bicicletas (ou de partes, como aconteceu com uma amiga da escola que teve o banco da bike roubado - o banco, gente!). Eu posso me considerar muito sortuda pois nunca levaram nada, mas por precaução não estaciono em D1 (centrão) porque a barra ali é mais pesada. Quase 4.500 roubos foram reportados à polícia em 2013, mas o número real é provavelmente em torno de 20 mil. VINTE MIL!

Depois que fui pra Dinamarca no Valentine's Day e vi como as bicicletas lá não são trancadas com cadeados, podem ser carregadas no metrô e trem e são utilizadas mais do que carros (foi a impressão que tive), Dublin me pareceu ter ainda um longo caminho pela frente pra se tornar uma cidade propícia pra bicicleta de verdade.

Ps.: pesquisando fotos pra esse post, acabei achando um artigo de 2010 que levanta várias questões sobre a qualidade, clareza e eficiência das faixas pra bicicleta na cidade e bem... estamos em 2015 e os problemas persistem.
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