Vóóóó, é bolo do quê?

/

Dublin, 6 de maio de 2016,

Vó, minha querida vó Thereza,

Que saudade da senhora. Do seu sorriso. Da sua voz. Do seu narizinho vermelho quando bebia uma caipirinha nas festas de família. Do seu olhos azuis e do seu cabelo roxinho.

Vó, eu me sinto privilegiada por ter me despedido da senhora. Poucas semanas após o casamento da Lu, você se foi. Quando vejo as fotos do casamento e do quão aparente era sua felicidade, sinto um calorzinho no coração. Foi uma grande alegria presenciar o casamento da sua neta, não é mesmo? Foi uma alegria para todos nós tê-la lá.

Aliás, dias antes do casamento sentamos uma tarde e ficamos admirando fotos antigas, inclusive fotos do seu casamento - como a senhora era linda! Sempre. Por dentro e por fora.

Vó, a senhora nos proporcionou uma infância absolutamente maravilhosa. Assistia pacientemente nossas peças de teatro, fazia lanchinhos deliciosos e cantava, em toda noite de Ano Novo, a música do "Adeus ano velho"...

Vó, tenho muito que agradecê-la. Por levar a gente pro inglês quando eu e meu irmão ainda não tínhamos idade suficiente pra ir sozinhos, por ter nos dado tanto amor, carinho e cuidado.

Ah, como a senhora adorava assistir suas novelas e o Raul Gil aos sábados. Sentávamos juntas e comentávamos os candidatos do programa.

Nunca me esquecerei de uma vez, quando muito criança, da ocasião em quebrei o vidro da sua porta com a minha cabeça. Mas também pudera, as duas brincando de ciranda no meio da sua cozinha! O vidro ficou trincado por anos, uma lembrança de que mesmo quando aprontávamos, a senhora nunca ficava brava conosco.

"Oi, minha lindinha" era o que a senhora dizia quando nos falávamos ao telefone. Se fecho meus olhos, consigo lembrar da sua voz ao me dizer essas palavras. Consigo sentir o seu perfume e o calor da sua pele.

Ah vó, e as comidas que a senhora fazia para os netos? Bolinho de chuva, salada de batata, sagu, rosquinha e o clássico espanhol mantecal. Se um dia eu tiver filhos, farei questão de preparar todas essas delícias pra eles, muito embora eu saiba que a qualidade dos meus quitutes nunca chegará aos pés dos seus.

Quando éramos pequenos, a senhora nos colocava no colo e cantava uma canção em espanhol que me lembro até hoje - a "Arre arre caballito". Era uma diversão e pedíamos repetidamente pra senhora cantar de novo, de novo e de novo...

Hoje penso que deveria ter passado ainda mais tempo com você. Ter conversado mais. Ter feito mais perguntas. Ter descoberto mais coisas sobre o seu passado e seus pais e avós. Lembro de ficar maravilhada ao ouvir as suas histórias e as do vô também - que orgulho eu sentia em ter um pouquinho de herança espanhola em minha vida!

Vó, fomos muito sortudos em ter uma vó tão maravilhosa quanto você. E toda vez que eu estou fazendo um bolo, lembro de nós quatro, ainda crianças, lhe perguntando que bolo a senhora fazia, na esperança de que ele fosse de cenoura com cobertura de chocolate. Às vezes a resposta era essa, às vezes ouvíamos um "bolo de bolo". E mesmo não sendo o que esperávamos, o bolo saía maravilhoso e acabava rapidinho.

Obrigada por tudo que nos ensinou, por todas as brincadeiras, canções, amor e companheirismo. A senhora faz falta entre nós.

Beijos e saudades da sua "pituquinha",

Bárbara





Web Analytics
Back to Top