Eu já visitei muito museu e atração histórica aqui na Irlanda, mas mesmo nessas andanças, não lembrava de ter ouvido o termo 'workhouse'. E se prepara que lá vem post longo....
O que era essa tal workhouse?
As workhouses são consideradas as instituições mais temidas e odiadas da Irlanda.
Elas foram introduzidas na Irlanda graças aos ingleses em 1838. A ideia era tentar implantar um sistema com um bom custo-benefício pra dar conta das pessoas mais pobres do país. Lembre-se que nessa época a Irlanda tinha 8 milhões de pessoas e muitos desses passavam e morriam de fome.
Basicamente, a workhouse era um lugar de último recurso pra alguém que não tivesse terras, trabalho, nem como se sustentar. Lá eles trabalhavam durante o dia em troca de abrigo e comida. Não era uma prisão, mas era, entende? As workhouses eram financiadas com o dinheiro dos impostos de donos de terras na região.
Ao chegar no local, as pessoas passavam por uma triagem - os que estavam muito doentes eram mandados pra uma "enfermaria" (de onde só seguiam pro cemitério mesmo) e os que ainda tinham condições físicas de trabalhar, eram despidos, lavados e ganhavam um uniforme. Lembrou alguma coisa tipo um campo de concentração?
As famílias chegavam juntas, uma forma suas liberar terras, já que muitos não podiam pagar o aluguel ao seu senhorio. Ah, e sim, as famílias que lá chegavam eram separadas: existia um prédio só para os homens, um para as mulheres, um para meninos e outro para meninas. Se alguém tentasse fazer contato com algum familiar, era severamente punido.
Os 'presos' recebiam duas refeições ao dia (as crianças três) - na maioria das vezes, um tipo de mingau chamado stirabout. Também comiam sopa e pão.
As pessoas lá dentro não tinham nenhum tipo de entretenimento, não podiam jogar e deveriam seguir uma série de regras, como ficar em silêncio em determinados momentos e ir pra missa aos domingos. Os muros altos não serviam para manter as pessoas lá dentro, mas pra tentar evitar que mais gente entrasse. Mesmo que alguém quisesse fugir, o sujeito já estava despido de tudo que constitui um cidadão mesmo - não teria pra onde correr.
Donaghmore Workhouse
Essa é uma workhouse que está em perfeita condições e inclusive recebeu suporte financeiro para ser reformada e transformada num museu. O tour que fizemos custou 5 euros e durou duas horas! Acho que o guia nem se deu conta pra ser sincera...
A Donaghmore Workhouse foi inaugurada em 1853 - ou seja, após o período crítico da Grande Fome. No entanto, a política para tentar conter e 'ajudar' os mais pobres e famintos precisou ser mantida. As pessoas que ali chegavam, nessa época, o faziam como último recurso mesmo - você perdia totalmente sua dignidade, família, identidade, tudo.
Um exemplo disso é nas cozinhas. Algumas mulheres ganhavam o privilégio de trabalhar na cozinha, mas as janelas desse cômodo eram extremamente altas; a luz do dia entraria no local, mas elas não teriam como observar o pátio lá fora e tentar procurar por seus filhos ou marido. Havia uma estrutura montada para impedir a manutenção familiar no local e hábitos religiosos eram bastante cultivados.
Aproximadamente 1.200 pessoas, ou 10% da população da região, foi forçada à procurar abrigo nesse lugar (que foi construído pra abrigar 600).
Durante o tour o guia nos contou tudo isso e muito mais: os locais onde os 'mestres' dormiam, os tipos de castigo que as pessoas cumpriam, a escola montava para as crianças, enfim, muita coisa mesmo. Um tour riquíssimo em história e com uma boa pitada de humor irlandês, apesar do assunto ser bem pesado.
A escola, por exemplo, tinha como objetivo ensinar aritmética, Ensino Religioso, leitura e escrita, mas obviamente falhava nessa função. Os professores eram despreparados e impotentes, além de cruéis. Não havia como ensinar nada à um bando de crianças sujas e famintas.
Uma das coisas que mais me chocou foi quando o guia explicou que as workhouses acabaram virando um lugar onde pessoas não aceitas pela sociedade eram largadas - pessoas com deficiências físicas e mentais, mães solteiras, filhos bastardos, crianças abandonadas, pessoas velhas e doentes, enfim, todos eram simplesmente jogados e esquecidos lá.
A Donaghmore Workhouse foi fechada em 1886, mas existem outras na Irlanda que ficaram abertas até a década de 1920.
Mas as pessoas saíam das workhouses?
Sim. Você já deve saber que a Irlanda é um país que, historicamente, sempre exportou muito a sua população. Na época da Grande Fome, por exemplo, estima-se-se que 1 milhão e meio de irlandeses saiu do país em direção à Austrália, Canadá, Reino Unido e Estados Unidos, claro.
Então que os donos de terras que pagavam pela manutenção das workhouses perceberam que era mais barato mandar as pessoas pra fora do país do que mantê-los lá. Foi assim que milhares e milhares e milhares de pessoas conseguiu sair de lá - jovens em sua maioria.
E o museu também traz uma sessão sobre agricultura!
Pra gente não terminar o post triste e chateado com mais essa mancha negra na história desse país, vamos falar da outra parte do museu: agricultura.
O tour que fizemos começou justamente por lá: visitamos várias salas que continham diversas máquinas usadas em fazendas, como tratores, cortadores de grama, etc, etc. Além disso, há uma variedade enorme de equipamentos usados para a confecção de manteiga - super legal!
Também há objetos mais familiares pra quem não é de fazenda: utensílios domésticos como panelas antigas, pratos decorados, jarras, caldeirões, secadores de roupa e até mesmo um antepassado do babyliss!
Todos os artefatos do local foram doados for fazendeiros locais e me senti um pouco na casa da minha vó Maria no interior de Pernambuco, mas divago.
Vale a pena conhecer Donaghmore?
Sem dúvida nenhuma! O local fica a pouco mais de 1 hora de Dublin e agora no verão é aberto aos fins de semana (geralmente não costuma ser - inclusive ligamos antes pra confirmar e demos sorte pois naquele domingo especificamente haveria tour!). A entrada é baratinha e o tanto de coisa que você vai ver, sentir, aprender, é de um valor inestimável. A Irlanda continua me fascinando, seja pela sua bela geografia ou sua sofrida história.