O purê de batatas nunca mais será o mesmo

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Estou prestes a completar três anos morando na Irlanda.

Três ano, na big picture, parece muito pouco, não é mesmo? Se considerarmos que tenho vinte e oito, de fato, três são poucos. No entanto, se reduzirmos essa figura à minha "vida adulta", ou pelo menos desde quando comecei a trabalhar, aos dezessete, temos então onze anos. Três de onze ainda é pouco, mas se formos considerar que a nossa vida muda muito nos nossos 20, posso dizer então que três de oito já é um número considerável, não é mesmo?

Eu vim pra Irlanda porque queria muito morar fora por um tempo, ter a experiência de ir pra outro país, viajar, sair de São Paulo - que me deixava louca. Não precisava aprender inglês e por isso não investi num curso de qualidade, não tive medo quando cheguei pois já falava o idioma e bem... acho que minha experiência por aqui foi sempre muito positiva por esse fato.

O que eu nunca disse pra ninguém (até disse, mas nunca ficou registrado), é que eu soube, desde o primeiro dia que pisei em Dublin, que eu não ficaria aqui somente um ano. Pode me chamar de louca, mas naquela primeira manhã em que andei sozinha pelas ruas da cidade, eu tive uma intuição de que eu não voltaria pro Brasil tão cedo.

Dois meses depois eu conheci o R. e o resto, como dizem, é história. Sempre tivemos muito claro que eu não ficaria na Irlanda somente por ele. Era extremamente importante pra ele e pra mim que os motivos para que eu decidisse ficar na Irlanda seriam outros além de amor. E de fato, mesmo antes do R. aparecer eu já gostava demais da Irlanda, gostava demais de morar em Dublin, gostava demais da ideia de ficar mais tempo por aqui. O amor só fez as coisas ficarem mais doces!





Mas a verdade é que depois de morar um tempo fora, a gente muda. Não é papinho de expatriado (acho essa palavra meio uó), não é conversa mole. Mesmo viajando pra outros países a gente já expande os horizontes, abre a cabeça, não é verdade? Ver outras culturas, observar como as pessoas vivem em outros lugares, o que comem, o que gostam de fazer, como se relacionam.... agora imagina vivenciar tudo isso, day in day out, por um certo tempo. Não tem volta. A gente revê conceitos, questiona nossa própria cultura, compara lugares onde já vivemos com o lugar atual e reflete sobre quão relacionados à nossa própria cultura nós somos.

Muitas das nossas crenças, nossos valores e nossos hábitos são produtos da nossa cultura. Vai desde falar "biscoito" ou "bolacha" (spoiler alert: bolacha é que é o correto, ok? hahaha), de como nos vestimos para uma festa, passa por relacionamentos, experiências familiares, ambiente de trabalho. Vamos sendo moldados dentro dessa forma cultural, sem questionar muito, achando tudo aquilo correto - afinal de contas, é como sempre vivemos e como nossa família e amigos vivem!

Aí quando nos mudamos, principalmente para um lugar bem diferente de onde costumávamos viver, esse molde parece não encaixar e você se vê diante de um dilema: ou derrete um pouco o seu molde para encaixar no molde local, ou fica firme na sua forma e não se encaixa no molde local.

O ser humano é muito adaptável, é só querer ser. Nunca tive problemas em deixar certos hábitos brasileiros pra trás, o que não faz menos brasileira. No entanto, o fato deu tomar chá com leite, como os irlandeses fazem, também não me faz irlandesa: eu não nasci aqui, não cresci aqui e nunca terei as mesmas referências e vivências culturais que os irlandeses tem, eu nunca serei um produto cultural irlandês. No entanto, o fato deu me interessar pelo modo como os irlandeses vivem, como se relacionam, o fato deu ler a respeito da cultura irlandesa e vivenciá-la através do ambiente de trabalho (trabalhando com famílias irlandesas) e do meu relacionamento amoroso, tudo isso vai influenciando a minha própria forma, de modo que eu possa me adaptar cada vez mais por aqui.

Se eu voltasse à morar no Brasil neste momento, tenho certeza que teria várias discussões e conflitos internos sobre os conceitos do que é certo, do que é normal, do que é bom ou ruim. A verdade é que depois de experimentar o purê de batatas verdadeiramente irlandês, o purê brasileiro nunca mais será o mesmo....
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