O uso de L1 no ensino de inglês

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Na minha minha primeira apresentação no mestrado tínhamos que selecionar um artigo acadêmico e fazer uma análise e crítica do mesmo. Ao me deparar com o artigo intitulado "Code-switching versus English only" não tive dúvidas de que esse seria o artigo certo pra mim.

Code-switiching é quando a pessoa mistura sua L1 (língua materna) com a L2 (língua que está aprendendo). Todo mundo que tem um bom domínio da L2 acaba fazendo code-switching, o que é absolutamente normal e aceitável... no entanto, em muitas escolas de inglês ao redor do mundo, é proibido falar a L1 em sala de aula. Ora, eu já trabalhei em diversas escolas no Brasil e em nenhuma delas éramos encorajados a falar português em sala, muito pelo contrário: tínhamos que evitá-la ao máximo.

Quando fiz minha pós-graduação no Brasil, meu tema da tese no final foi justamente o uso de L1 no ensino de inglês porque esse assunto me intriga muito!



Mas voltando pro artigo: nele, o autor tenta explicar o porquê do uso da língua materna ser importante e beneficial para os alunos e para tal, fez uma pesquisa de campo e analisou duas turmas de adultos aprendendo inglês na Colômbia. Através de gravações feitas nas aulas ele conseguiu identificar e classificar várias funções e motivos pelos quais os alunos falavam espanhol em aula, são elas:

- equivalência (quando o aluno não tem o item lexical em seu vocabulário)
- metalinguagem (quando o aluno ou professor fala de procedimentos de alguma atividade em sala de aula)
- floor holding (quando o aluno quer continuar a comunicação sem interrupções e usa a L1 por ser mais rápido)
- reiteração (quando o aluno confirma o significado de alguma coisa traduzindo para a L1)
- socialização (piadas, brincadeiras que ocorrem em sala através da L1)
- evasão do uso de L2 (quando o aluno sabe a palavra em L2 mas prefere falar na sua L1)

Sendo assim, na maioria das vezes em que o aluno usa sua língua materna em sala de aula não é porque ele não sabe a palavra ou está traduzindo à toa: em quase todas essas funções citadas acima há o desejo de comunicação. E se o uso da língua materna é então proibido, isso significa que essa proibição pode impedir a comunicação em sala e prejudicar o aprendizado da língua.

Além disso, há duas questões muito fortes que permeiam esse assunto: imperialismo e identidade. Muitos estudiosos dizem que o ensino de inglês é político pois seria um meio dos países falantes de inglês de continuar dominando os países em desenvolvimento. Outros dizem que língua é um mecanismo de poder, não somente um meio de comunicação. E mais: a proibição da língua materna em sala de aula pode levar o aluno à alienação e privá-los de sua identidade cultural.

Mas sabe por que há tanto preconceito com relação ao uso da L1 no ensino de inglês? Eu te digo.

Há 500 anos, o Latim era a língua mais falada e estudada no mundo e mesmo no século 16, quando perdeu espaço como língua de política, comércio, etc, o Latim ainda era estudado. E o modelo para se estudar Latim foi popular por muito tempo e usado não só pra aprender Latim, mas também muitas outras línguas (e é usado até hoje!): as aulas giravam em torno de tópicos gramaticais, listas de vocabulário e os alunos tinham que traduzir frases e textos. Esse método é conhecido como "Gramática-Tradução". Só que no século 19 esse método foi meio que deixado de lado porque as pessoas não conseguiam se comunicar, falar direito, né? Aí surgiu o "Método Direto" (das escolas Berlitz, quem conhece?) que pregava que o ensino de inglês tinha que ser em inglês. O professor explicava as coisas em inglês e ensinava vocabulário através de figuras, gestos, mas NUNCA a tradução. Até porque, a maioria desses professores era nativo no idioma viajando o mundo para ensinar inglês e não tinham nenhum comando da L1 dos alunos. Tudo isso ajudou a criar um preconceito poderoso contra o uso da língua materna no ensino de inglês.

Aprender um idioma, especialmente para adultos em níveis iniciantes, pode ser extremamente frustrante. Permitir que a L1 seja usada de tempos em tempos (para brincadeiras, comentários, explicações mais complexas) acalma os alunos, os deixa menos ansiosos.

E essa coisa de ansiedade no ensino de línguas já foi muito discutida no meio acadêmico, especialmente pelo Stephen Krashen (você provavelmente já viu esse vídeo dele aqui compartilhado pelo facebook afora). Ele diz que se o filtro afetivo do aluno estiver baixo, ele estará mais aberto a aprender a língua.

No fim das contas, é difícil quebrar o preconceito mesmo com tanta literatura que explica e exemplifica os benefícios da língua materna no ensino de inglês. Segundo Michael Swan (escritor da área de linguística), se nós não fizéssemos correspondências entre nossa L1 e L2, talvez nunca aprenderíamos línguas.
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