Estudando irlandês na Gaeltacht

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Eu não tinha me dado conta que a última vez que falei sobre estudar irlandês nesse humilde blog tinha sido ainda em 2020, quando contei sobre os motivos pelos quais eu quis começar a estudar essa língua. E olha, muita água rolou de 2020 pra cá.


Fiz alguns cursos online, fiz aulas particulares pelo italki, escutei música, li livros, me encontrei semanalmente com a Tarsila pra estudarmos juntas... e nessa, já vão aí mais de três anos de irlandês na minha vida. Não tenho pressa de aprender - primeiro porque não tenho necessidade de aprender. Segundo que eu tô curtindo muito o processo de modo geral, realmente não lembrava como era aprender uma língua assim do zero!


Nesses anos estudando com a Tarsila, concluímos o livro Gaeilge Gan Stró 1 e a gramática Basic Irish. Atualmente estamos terminando o primeiro terço do livro Gaeilge Gan Stró 2.





Só que desde o ano passado eu pensava que queria ter a oportunidade de passar um tempo no interior estudando. Afinal de contas, é no interior, nas áreas chamadas de Gaeltacht, onde as pessoas realmente usam a língua. Era uma ideia longínqua, mas depois de tudo que aconteceu no fim de 2022, eu achei que seria um ótimo plano pra me manter de pé: ir estudar por uma semana, tipo um mini intercâmbio mesmo. Convidei a Tarsila, que topou na hora, e depois de procurar algumas escolas online, achamos uma que seria numa boa localização - na Gaeltacht, mas não tão longe da civilização!


Na época em que organizei tudo, também pedi pra dona da escola nos colocar numa casa de família, ban an tí, pra que pudéssemos ter imersão total. No fim das contas, o valor ficou bem legal pra estudar período integral e dormir 5 noites nessa casa. Pedi as férias do trabalho e em julho nós partimos pra Spiddal (em irlandês, An Spidéal), pertinho de Galway city.


Na semana antes de irmos, recebi as informações tipo o endereço da escola onde teríamos aulas e como chegar na casa de família. No pacote, chegaríamos no domingo e teríamos uma refeição leve, e nos outros dias eles serviriam café da manhã e jantar, além de oferecer coisas pra gente fazer um lanche pra levar pra escola.




E assim foi. No fim do domingo chegamos, Tarsila e eu, numa casa linda a poucos minutos do centrinho de Spiddal. A ban an tí (host mom) nos recebeu já falando em irlandês e pra mim, foi um choque! Sim, eu venho estudando há um tempo, já tinha feito aulas, mas estar falando com alguém na vida real foi muito chocante pra mim. E o pior: eu tava entendo muita coisa!


Tinha outros estudantes na casa, em outros quartos (eu a Tarsila ficamos num quarto só nós duas), a maioria na faixa dos 20 e poucos anos, professores recém-formados que precisam "cumprir tabela" e estudar em áreas onde se fala irlandês pra poder ter o diploma e estarem habilitados pra lecionar em escolas. Aliás, isso é um capítulo à tarde, porque ficamos chocadas em como essas pessoas simplesmente não estavam a fim, sabe? Eu e a Tarsila falávamos irlandês an t-am ar fad (o tempo todo), mesmo entre nós duas, ainda mais "em público", no café da manhã, durante o jantar. E os outros simplesmente não faziam o esforço, a gente ficou tão chateada em ver que essas pessoas serão a nova geração de professores primários!




Enfim, segunda-feira chegou e fomos a pé pra escola, que ficava no centro da cidade. Eles tinham duas salas de irlandês: uma para os professores que estavam fazendo o preparatório para os exames e outra com pessoas aleatórias que queriam melhorar o irlandês. Nós ficamos nessa segunda sala, juntamente com outros 6 ou 7 irlandeses, uma menina da Islândia e outra do Canadá mas que morava na Bélgica. A professora? Uma senhorinha com os seus 60 e poucos anos (ou até mais?!) vinda diretamente de uma das ilhas das Aran Islands, falante nativa! Por boa parte da sua infância ela inclusive nem inglês falava.


Bom, aí foi outro choque: primeiro que a professora falava numa velocidade normal, de falante nativa. Segundo que ela tinha uma voz bem grave e meio baixa de ouvir (fumante). Terceiro porque apesar de tudo isso, eu tava entendendo. Foi a coisa mais estranha da minha vida. Porque assim: eu comecei a estudar inglês muito nova e nunca tive essa sensação de estar aprendendo, pra mim simplesmente eu aprendia, eu sabia, não consigo explicar. Com italiano e espanhol, pela similaridade com português, nunca tive esse momento mágico. Mas irlandês, por ser tão diferente, me proporcionou essa lampadinha em cima da cabeça, foi muito foda!






As aulas iam das 10am até 1 da tarde, tínhamos almoço e depois das 2pm até 4pm mais ou menos. Era puxado, e conforme os dias iam passando, a gente foi ficando cada vez mais cansada, com dor de cabeça, sem conseguir concentrar. Mas não era pra menos, estávamos realmente imersas!


Porque assim, além das aulas, a gente estudava juntas na casa à noite, após o jantar, e entre o fim da aula e o jantar íamos fazer alguma outra atividade em Spiddal. Na segunda, por exemplo, fomos encontrar uma conhecida da Tarsila que mora por lá. Eu devia ter explicado, mas uma das editoras com a qual a Tarsila trabalha é justamente localizada lá, então ela tem vários contatos. Então sim, na segunda fomos dar uma volta com uma dessas pessoas conversando em irlandês por mais de uma hora. Na terça, passeamos pela cidade, compramos uns souvenirs na vila de artes (inclusive tem uma loja de uma artista brasileira lá!!!!) e fomos na livraria. Na quarta, fomos na praia com as colegas de sala e ficamos fofocando horrores em irlandês. Na quinta, fomos tomar um café com o editor da Tarsila e outros colegas da editora. E dá-lhe nós duas ag caint as Gaeilge (falando em irlandês) gach lá (todo dia).








As aulas em si... bom. Já falei por aqui sobre a maldição de ter sido professora, e como não consigo aproveitar nenhuma aula direito. A professora era querida, mas muito fraca - as aulas não tinham preparação nenhuma, era um deus nos acuda. Mas a gente prestava atenção, anotava, perguntava, falava... praticamos muito, muito mesmo, tentamos aproveitar cada minuto. Todo mundo achava o maior barato que eramos as cailliní as an Bhrasaíl (as meninas do Brasil) hahaha.


A ban an tí era uma querida, fomos tão bem tratadas e paparicadas naquela casa... as comidas eram deliciosas e ela tirava muitas dúvidas nossas de irlandês, uma fofa mesmo! Ficamos muito gratas à ela. Essa host mom é falante nativa e professora, e na casa dela, com o marido e os três filhos, eles só falam irlandês, fiquei maravilhada!


Quando chegou na sexta, nos despedimos da ban an tí após o café da manhã e já colocamos as coisas no carro pois voltaríamos pra Dublin direto após o almoço. Essa foi a última aula e pra cereja do bolo, o coordenador da escola nos chamou em particular numa outra sala pra fazer uma espécie de prova oral conosco. Tipo, ele já vinha fazendo esse simulado com o pessoal da outra sala, mas a gente trombou um dia com ele no corredor e disse que queríamos fazer também #nerds hahaha. Foi super legal, fiquei nervosa mas consegui conversar de boa com ele, eu não acreditava que tava falando em irlandês, sabe?


Aliás, até sonhar em irlandês eu sonhei enquanto estávamos lá. Foi uma experiência muito intensa, mas muito especial mesmo. Sou muito grata à Tarsila por ter topado essa aventura e feliz de termos nos jogado nesse projeto. Vai ser uma lembrança que vou levar pra vida, e me sinto um pouco mais irlandesa em poder dizer que até estudei na Gaeltacht. Agora, continuar estudando pra evoluir ainda mais, porque embora eu tenha me surpreendido com o tanto de coisa que sei, pude constatar que ainda tenho um caminhão a mais pra aprender. Devagar e sempre!







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