Tenho pensado muito sobre como é
morar em Dublin ultimamente. Não sei se foi por causa de conversas que tive com
algumas professoras na escola de verão, mas o fato é que quanto mais o tempo
passa, mais parece que eu consigo enxergar essa cidade pelo que ela realmente é.
Porque não tem jeito. Vindo de uma cidade como São Paulo, onde nasci e
cresci, e vindo parar numa ilha do tamanho da Irlanda, não tem como não
comparar. Mas obviamente eu nunca vim pra cá achando que moraria aqui. Pra mim
eu tava fazendo um intercâmbio, ficaria um ano, no máximo uns dois, e voltaria pra
casa.
Mas o conceito de casa já mudou faz tempo e quanto mais os anos passam,
mais eu me sinto à vontade na capital da Irlanda. Sei onde comprar tudo que
preciso, conheço vários lugares (mercado, padaria, cafés, etc), sei os nomes
das ruas, essas coisas que passam desapercebidas no dia-a-dia, que a gente nem
se dá conta, sabe? No entanto, se por um lado eu me sinto à vontade em morar em Dublin, parece que por outro, só agora os rose tinted glasses caíram.
Falando assim parece que tô fazendo um puta drama, que hoje acho a
cidade uó, perigosa, suja, e outras coisas negativas. E não vou mentir não. Dublin é
sim uma cidade perigosa, suja, e outras coisas negativas. Mas não na proporção
que a minha cultura brasileira/paulistana enxerga. Quando cheguei aqui, fiquei
deslumbrada com a arquitetura, com as casinhas, com os prédios baixos do
centro, com as lojas fofas da região da South William Street. E ainda sou.
Ainda paro pra ouvir os músicos na Grafton, ainda acho a Fitzwilliam Square uma
graça, ainda me vejo tirando fotos no centro da cidade quando vejo algo que me
agrada os olhos.
Mas agora eu também consigo ver coisas que antes não se destacavam na
multidão: o centro é uma bagunça. Mas ok, todo centro de cidade é bagunçado, não
é mesmo? A verdade é que não tem jeito, tem sujeira na rua, tem barbeiragem no
trânsito, tem gente mal-educada, tem ruas mal iluminadas, tem homem fazendo
xixi nas lanes, tem o problema da diferença de classes sociais e tem o problema
das drogas na cidade, que é um problema muito sério.
Claaaaro que o meu conceito de diferença de classe social é outro vindo
do Brasil, mas principalmente em Dublin, essa diferença é muito clara. E após
um tempo morando aqui você começa a entender a dinâmica da cidade, onde pessoas
que recebem benefícios do governo gastam seu dinheiro em compras pelo centro,
adolescentes e crianças vindos dessas famílias fazem arruaça o tempo todo pelas
ruas, não pagam transporte público, entre outras coisas. Mas essa é uma situação
delicada porque essas pessoas que tem uma situação financeira e social
fragilizada precisam desses benefícios e ajuda do governo pra sobreviver - se o
governo cortasse essa grana, você quer apostar quanto que a criminalidade na Irlanda subiria drasticamente?
Mas eu não quero entrar nesse mérito não. Não sou contra o governo
auxiliar a população com dinheiro e benefícios e sou a favor de cotas raciais e
sociais (inclusive no Brasil). Agora, o lance das drogas, o buraco aí é mais em
baixo ainda. Mas eu já falei desse assunto de leve nesse post de 2014.
E onde eu queria chegar com tudo isso? Que sim, Dublin é uma ótima
cidade pra se morar. Eu não tenho um salário maravilhoso e vivo bem (claro que
não estou sozinha na equação, mas mesmo quando trabalhava de babá e dividia a casa
com outras 5 ou 6 pessoas, tinha qualidade de vida): como do bom e do melhor,
vou de bicicleta pro trabalho, vou a pé pro cinema se quiser, tenho várias
opções de restaurantes e cafés a meu dispor, tenho acesso a um aeroporto que
possui voos diretos pros Estados Unidos, Canadá, alguns países na Africa,
Europa inteira, Oriente Médio... então quando penso que eu levava 2 horas pra
chegar na Vila Mariana sem trânsito, realmente, os meus 20 minutinhos pedalando
de porta a porta não são nada. Massss, ao mesmo tempo, eu me sinto incomodada
quando me deparo com tantos pedintes nas ruas, quando vejo junkies fora de si
de tanta heroína que injetaram, quando me sinto ameaçada por ser mulher e
estrangeira. Porém, essas situações são raras e no fim das contas, o segredo da
vida é a gente tentar viver da melhor maneira que podemos dadas as condições
que temos, não é mesmo? Então eu tô muito feliz em morar em Dublin, fico
aliviada quando viajo e volto pra casa e penso em criar raízes mais profundas
nessa cidade que me acolheu tão bem.
Não sei se respondi a pergunta que eu mesma me fiz no título, acho que
tava precisando de um post-reflexão desses porque fazia tempo que eu não falava
sobre o assunto. E você, gosta de morar onde mora?