Não escrevi tanto sobre os meninos porque eu já estava mais acostumada, eles já eram um pouco mais velhos e não me despertaram tanto "interesse investigativo" quanto elas, principalmente no que diz respeito à língua, que é a minha área.
Na verdade, desde o começo observo e comparo o desempenho linguístico do S., que agora tem 3 anos e meio e da C., que na época em que eu saí tinha 2 anos e falava muito mais frases coerentes do que ele. Vantagem de menina sobre menino? Pode ser. O que tenho aprendido é que essa coisa da fala é muito particular e não dá pra ficar comparando criança não. O R. tem um sobrinho da mesma idade do menino mais novo que eu cuido que tem a fala muito mais fluída e clara, por exemplo.
Mas desde que comecei a estudar na UCD e ler aquela porrada de livros, comecei a rever vários conceitos que já tinha aprendido e também a aprender novos. E um deles linkou perfeitamente com o que tenho visto do pequeno S. ultimamente: sua ordem de aquisição linguística.
Basicamente e resumidamente, nos anos 60 alguns pesquisadores estudaram de perto o desenvolvimento de algumas crianças de diferentes idade e perceberam que elas adquiriam os morfemas gramaticais numa sequência parecida:
present progressive -ing (Mommy running)
plural -s (two books)
irregular past forms (Baby went)
possessive -s (Daddy's hat)
copula (Mommy is happy)
articles the and a
regular past -ed (she walked)
third person singular simple present -s (she runs)
auxiliary be (he is coming)
A partir daí outros estudos foram feitos pra tentar explicar o porquê das crianças adquirirem língua dessa forma: seria a frequência com eles ocorrem na fala dos pais? Seria a complexidade cognitiva de cada um desses morfemas? A dificuldade de percebê-los ou pronunciá-los? No fim das contas, não se chegou à nenhuma conclusão satisfatória.
Pra complementar esses resultados, um cara chamado Jean Berko Gleason desenvolveu um teste chamado "wug test". Nesse teste, as crianças olham pra algumas figuras e ouvem uma história mais ou menos assim: "Here is a wug*. Now there are five of them. There are two _____" ou "Here is a man who know how to bod*. Yesterday he did the same thing. Yesterday he _____". As crianças completavam as frases corretamente ('wugs' e 'bodded') e provavam que conheciam os padrões da língua perfeitamente por generalizar regras que já estavam internalizadas, ainda que *essas palavras não existam na língua inglesa.
E sim, eu fiz esse teste com os meninos (o de 3 anos e meio não quis responder) e o mais velho respondeu certinho!
Mas lembra que eu comentei lá em cima que o S. tava produzindo umas frases que me chamaram a atenção ultimamente? É que ele tem dito coisas do tipo:
"He is the powerfulest guy"
"I maded this myself"
"You putted this here"
Isso significa que eu vi diante dos meus olhos, na prática, a tal generalização de padrões que as crianças (e quem aprende segundas línguas também!) fazem ao aprender. Alguém que diz "I buyed a bus ticket" talvez saiba mais de gramática do que alguém que diz "I bought a bus ticket" - não dá pra concluir que a pessoa que usou a forma correta, "bought" usaria o -ed no final dos verbos quando apropriado, mas quando o cara diz "buyed" ele nos dá evidências de que está desenvolvendo um conhecimento sistemático da língua.
Retirado do livro "How languages are learned" |
Então no caso do S., dizer "maded" e "putted" ao invés de "made" e "put" mostra que ele já internalizou regras gramaticais (no caso, a dos verbos regulares no passado simples)! Não é incrível? No caso do "powerfulest", ele também já sabe que -est é a forma superlativa dos adjetivos, mas ainda não produz a foma correta, que seria "the most powerful".
Tudo isso pra dizer que tô amando demais esse curso e que sinto que estou melhorando muito como pessoa e profissional! Ai, linguística! :)