Aquisição de língua e seus padrões

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Se você for contar o número de posts que eu tenho aqui sobre as meninas que eu cuidei por 1 ano (2013/14) e dos meninos que já cuido há mais de 1 ano (2014/15), vai notar que tenho muito mais posts sobre elas. A verdade é que, por ser uma novidade (cuidar de criança), tudo era muito interessante e eu escrevi sobre diversos aspectos de conviver com elas como preconceito linguístico dentro de casa, pequenos diálogos com as meninas, evolução da fala, fofura overload, músicas infantis, etc, etc, etc.

Não escrevi tanto sobre os meninos porque eu já estava mais acostumada, eles já eram um pouco mais velhos e não me despertaram tanto "interesse investigativo" quanto elas, principalmente no que diz respeito à língua, que é a minha área.

Na verdade, desde o começo observo e comparo o desempenho linguístico do S., que agora tem 3 anos e meio e da C., que na época em que eu saí tinha 2 anos e falava muito mais frases coerentes do que ele. Vantagem de menina sobre menino? Pode ser. O que tenho aprendido é que essa coisa da fala é muito particular e não dá pra ficar comparando criança não. O R. tem um sobrinho da mesma idade do menino mais novo que eu cuido que tem a fala muito mais fluída e clara, por exemplo.

Mas desde que comecei a estudar na UCD e ler aquela porrada de livros, comecei a rever vários conceitos que já tinha aprendido e também a aprender novos. E um deles linkou perfeitamente com o que tenho visto do pequeno S. ultimamente: sua ordem de aquisição linguística.

Basicamente e resumidamente, nos anos 60 alguns pesquisadores estudaram de perto o desenvolvimento de algumas crianças de diferentes idade e perceberam que elas adquiriam os morfemas gramaticais numa sequência parecida:

present progressive -ing (Mommy running)
plural -s (two books)
irregular past forms (Baby went)
possessive -s (Daddy's hat)
copula (Mommy is happy)
articles the and a
regular past -ed (she walked)
third person singular simple present -s (she runs)
auxiliary be (he is coming)

A partir daí outros estudos foram feitos pra tentar explicar o porquê das crianças adquirirem língua dessa forma: seria a frequência com eles ocorrem na fala dos pais? Seria a complexidade cognitiva de cada um desses morfemas? A dificuldade de percebê-los ou pronunciá-los? No fim das contas, não se chegou à nenhuma conclusão satisfatória.

Pra complementar esses resultados, um cara chamado Jean Berko Gleason desenvolveu um teste chamado "wug test". Nesse teste, as crianças olham pra algumas figuras e ouvem uma história mais ou menos assim: "Here is a wug*. Now there are five of them. There are two _____" ou "Here is a man who know how to bod*. Yesterday he did the same thing. Yesterday he _____". As crianças completavam as frases corretamente ('wugs' e 'bodded') e provavam que conheciam os padrões da língua perfeitamente por generalizar regras que já estavam internalizadas, ainda que *essas palavras não existam na língua inglesa.

E sim, eu fiz esse teste com os meninos (o de 3 anos e meio não quis responder) e o mais velho respondeu certinho!

Mas lembra que eu comentei lá em cima que o S. tava produzindo umas frases que me chamaram a atenção ultimamente? É que ele tem dito coisas do tipo:

"He is the powerfulest guy"
"I maded this myself"
"You putted this here"

Isso significa que eu vi diante dos meus olhos, na prática, a tal generalização de padrões que as crianças (e quem aprende segundas línguas também!) fazem ao aprender. Alguém que diz "I buyed a bus ticket" talvez saiba mais de gramática do que alguém que diz "I bought a bus ticket" - não dá pra concluir que a pessoa que usou a forma correta, "bought" usaria o -ed no final dos verbos quando apropriado, mas quando o cara  diz "buyed" ele nos dá evidências de que está desenvolvendo um conhecimento sistemático da língua.

Retirado do livro "How languages are learned"

Então no caso do S., dizer "maded" e "putted" ao invés de "made" e "put" mostra que ele já internalizou regras gramaticais (no caso, a dos verbos regulares no passado simples)! Não é incrível? No caso do "powerfulest", ele também já sabe que -est é a forma superlativa dos adjetivos, mas ainda não produz a foma correta, que seria "the most powerful".

Tudo isso pra dizer que tô amando demais esse curso e que sinto que estou melhorando muito como pessoa e profissional! Ai, linguística! :)
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