Exames, investigação e (um pouco de) resolução

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Faz mais de um mês que estou pra escrever esse post, mas voltar nesse assunto nunca é uma coisa simples pra mim - acho que pra ninguém que passou por uma perda gestacional! A gente acaba revivendo muita coisa, tendo uns flashbacks, e lembrando do vazio, da tristeza, e também da dor emocional e física pela qual passamos.



Ter tido dois abortos espontâneos ao longo de 2022 já não tinha sido fácil, mas a experiência que tive em dezembro, nossa terceira perda, foi a mais traumatizante. Eu não fazia ideia, mas os protocolos aqui na Irlanda pra uma perda no segundo semestre levam em consideração a saúde física da mãe em primeiro lugar. Isso significa que eles tentam estimular sempre um "parto" normal, com poucas intervenções, pra que não haja efeitos colaterais ou sequelas pra mulher.


Além disso, é oferecido todo um acompanhamento psicológico que eu de forma alguma esperava. Enquanto estávamos no hospital, eu tava no meio de um furacão sem entender absolutamente nada, mas depois fui processando tudo e entendendo que esse acompanhamento de psicóloga especializada em luto, parteiras, enfermeiras obstétricas, etc, foi muito importante pra começar nossa jornada de aceitação desse luto.




Uma das coisas que o hospital também fez foi uma investigação completa sobre os possíveis motivos pelos quais tivemos essa perda. Na época eles nos avisaram que demoraria em torno de 3 meses para termos o resultado, e foi de fato o que aconteceu. Lá pro fim de janeiro recebi uma carta com a data da nossa consulta, que seria praticamente três meses certinho após minha estadia no hospital.


Foi difícil segurar a ansiedade até meados de março. Nesse período, R. e eu continuamos terapia, conversando com amigos e família, seguindo a vida da melhor maneira possível. Mas enfim a data chegou. 


O que eu esperava dessa consulta? Que iriam explicar se havia algum problema genético com o bebê, se eu tinha algum problema de saúde, e tchau e benção. Já sabia que na grande maioria dos casos não há uma explicação específica, não há uma causa. E nós queríamos um porquê, uma explicação pra essa perda. Eu queria que me falassem "isso e isso e isso deu errado, e podemos resolver fazendo isso e isso e isso".


No entanto, o que aconteceu foi algo muito maior - e melhor. Fomos chamados pra uma sala com um médico do hospital/maternidade. A consulta demorou quase 1h, e ele fez uma longa introdução dizendo que sabia o que a gente estava pensando, que queríamos uma resposta. E que na verdade, querer que algo esteja errado pra poder tentar "consertar" não é a melhor maneira de encarar o problema. Ele explicou que ao longo do ano, talvez ocorram uns dois ou três casos de mulheres lá no hospital que descobrem que suas perdas aconteceram devido à problemas de saúde desconhecidos por elas, problemas esses que podem piorar a qualidade de vida delas e até impedir futuras tentativas de gravidez.


Ele também explicou que essa investigação é feita em dois casos aqui na Irlanda: 1) se a mulher tem três perdas consecutivas no primeiro trimestre ou 2) se a mulher tem uma perda já no segundo trimestre. Eu me encaixo na segunda, mas já tinha tido duas perdas antes, então me encaixaria nessa investigação de todo modo. O médico contou que embora sejam feitas essas investigações, elas são mais detalhadas para as pessoas do caso 2, pois há material genético da placenta pra análise.


No meu caso, pra nosso alívio e frustração, não havia nada de errado. Nem com minha saúde, nem com o DNA analisado do bebê.


Quando o médico deu essa notícia, eu e R. desabamos de chorar. Foi muito, muito doído ouvir que passamos por tudo aquilo pra nada, por nada. E não me venha com esse papinho de merda de "tudo tem um motivo", porque eu vou mandar enfiar o motivo você sabe onde. Fiquei frustrada, gritei "then it was all for fucking nothing!" e o médico disse que entendia, que aquela situação era mesmo uma merda. Ele sabia como estávamos nos sentindo pois já havia passado pelo mesmo e estado no nosso lugar.


Aliás, esse médico foi tão humano, tão sensível, tão bacana. Eu realmente não esperava isso.


Depois ele explicou que meus exames estavam todos perfeitos, mas que ele gostaria de refazer os exames de sangue - inclusive pra trombofilia, porque um dos meus marcadores deu levemente anormal. Mas ele disse que foi muito levemente, que provavelmente os hormônios da gravidez, ainda presentes no meu corpo quando estive no hospital em dezembro, podem ter alterado os resultados. Mais uma surpresa: saí do consultório dele com guias pra voltar na maternidade pra refazer os exames de sangue, sem precisar marcar horário nem nada, só aparecer quando eu quisesse (coisa que já fiz em abril).


Aí ele disse que imaginaria que ainda era um desejo nosso ter filhos, e que se nos sentíssemos prontos psicologicamente, que não era pra esperar, que não tínhamos tempo a perder. Ele deu o exemplo de como a gente descobriu a gravidez em agosto/2022 e estávamos em março/2023 na estaca zero - o tempo passa muito rápido. Ele explicou que mesmo se meus exames de sangue dessem levemente alterados, não seria algo problemático caso eu quisesse engravidar novamente.


Além disso, ele me deu receita pra algumas vitaminas e progesterona, que começasse a usar a progesterona assim que tivesse um positivo, e que era pra contatá-lo imediatamente por e-mail. De novo, fiquei muito surpresa! Ele disse que sabe que uma nova gravidez vai vir com muita ansiedade, medo, angústia, e que ele vai fazer de tudo pra amenizar esses sentimentos fazendo um acompanahmento mais detalhado do que o padrão normal aqui.


Como já expliquei em outros posts sobre o assunto, quando você engravida na Irlanda só vai fazer o primero ultrassom com umas 12 semanas, e as visitas ao hospital são bem esporádicas. No meu caso, a gente já faria um early scan, o teste harmony, exame de sangue e outras coisas antes dessas 12 semanas. Acredito que esse atendimento mais cuidadoso seja oferecido pra casos como o nosso, de uma possível gravidez pós perda no segundo trimestre.


Enfim, muitas lágrimas depois, me senti até esperançosa. O médico disse que esses resultados, apesar de não darem um motivo específico pelo qual nossa gravidez não foi pra frente, significam que não há nada de errado comigo, e que podemos gerar um bebê saudável.


Foi nesse momento em que ele perguntou se queríamos saber o sexo do bebê. 


E era uma menina.


O R. chorou tanto, tanto. Meu coração ficou partido, só de lembrar me vem lágrimas nos olhos. Eu ri também, porque achava que seria um menino e me dei conta de que como esse achismo de "menino ou menina" é tão bobo... afinal, você tem 50% de chances de acertar!


As horas e dias após essa consulta foram muito tristes, mas eu me senti mais leve, como se um peso tivesse sido levantado de mim.


Sabíamos que íamos querer escolher um nome pra essa bebê, e vivemos mais um momento difícil. Porque uma coisa é escolher um nome de um bebezinho que tá chegando, um nome que você vai chamar. Outra coisa é de um bebê morto. A gente tinha uma pequena lista com algums nomes, mas doía ter que escolher um. Decidimos então começar uma outra lista do zero, com novos nomes. Depois de umas 7 ou 8 opções, cada um fez o seu top 3 pra ver se teria algum nome em comum e achamos. Nossa bebê se chama Ayla.


A princípio, escolhemos esse nome por gostar de sua sonoridade, mas também pelo o que ele significa: luz da lua. 


Estamos nos recuperando, mas jamais esquecemos. Ainda temos muitos processos pelos quais passar: a caixa de memória que ganhamos do hospital tá intocada, a foto do ultrassom da Ayla ainda está na geladeira... e em breve vamos nos confrontar com a primeira data difícil desde então: a data prevista do parto, em junho A cada dia vamos nos fortalecemos, agora nos sentimos menos frágeis e com esperança de que muitas dias bons ainda virão!

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