Ter esse contato com alunos vindo de diferentes lugares é um negócio muito legal. Como pessoa, eu fico super curiosa pra saber mais sobre os lugares de onde ele vêm, o que estudam na escola, suas impressões sobre a Irlanda... e como professora, aumento meu repertório e experiência com alunos que tem línguas-maternas diferentes da minha.
Eu li muitos textos sobre uso de língua-materna no mestrado e sou super à favor do professor saber a L1 dos alunos (inclusive tem um post onde falo mais sobre o assunto aqui). No Brasil eu me sentia totalmente à vontade e confortável pra lidar com dúvidas e erros comuns dos alunos, já que muitos desses vêm de interferência da língua-materna (no caso, português), além de poder usar o português com o intuito de fazer uma brincadeira, explicar instruções mais complexas, etc.
No entanto, apesar deu saber espanhol e italiano ("saber" é bem generoso - estou num nível intermediário, entre o B1 e B2 do CEFR), na escola onde trabalhei nesse e no verão passado, não podia dizer aos alunos que eu sabia essas línguas. Eles querem obviamente maximar o uso de inglês em sala de aula, e se os alunos souberem que você fala a língua deles, não vão tentar se esforçar pra falar inglês (essa é a teoria). Na prática, me senti meio mentirosa.
É que, por exemplo, eu dei aula por uma semana para uma turma de alunos suuuuper básicos, tipo no primeiro nível mesmo. Alguns ainda sabiam algumas palavras em inglês, mas a maioria não. A verdade é que mentir pra eles e fingir que eu não entendia italiano causava mais estresse e cansaço do que se eu tivesse dito que os entendia. E pra ser sincera, eu meio que fui dando várias dicas que os entendia, porque às vezes eles falavam italiano comigo e eu respondia em inglês. Como eles eram bem novinhos, acho que não fizeram a relação, mas conforme os dias da semana foram passando nossa comunicação foi melhorando - e só porque eu fui dando a entender que entendia a língua deles.
Com exceção dessa turma, eu só tive alunos no upper-intermediate e advanced, o que acabou sendo uma experiência muito interessante e menos cansativa do que no ano passado.
Os alunos espanhóis
Você não precisa ser professor pra notar um sotaque espanhol se fala as duas línguas (inglês e espanhol). A verdade é que às vezes a pronúncia de alguns sons pode ser muito distorcida por conta da influência da primeira língua do aluno, e com espanhol isso não é diferente. Os sons de /b/ e /v/, por exemplo, seeeeempre se misturam, então palavras como /bow/ e /vow/ acabam sendo pronunciadas da mesma forma. Outra coisa é o som da letra Y, que eles pronunciam como /dʒ/ ao invés de /j/ - a palavra you sai com uma pronúncia tipo Jew.
Os alunos alemães e suíços
Os alunos vindos da Alemanha e Suíca que tive esse ano tinham um nível muito bom de inglês e portanto, raramente eu tinha que corrigir alguém ou não entendia o que eles falavam. Quer dizer... o forte sotaque alemão às vezes me dava um trabalho pra entendê-los, principalmente os sons da letra R. Muitas vezes a inteligibilidade de palavras que continham o som de /r/ como, sei lá, perpetuate, era prejudicada. Outra coisa que acontecia demais é os alunos trocarem os sons de /w/ e /v/, já que só tem um fonema nessa área em alemão, wine saía vine e por aí vai....
Os alunos italianos
Assim como comentei no meu post do ano passado, os alunos italianos vivem acrescentando vogais no fim das palavras. No entanto, uma coisa que notei esse ano foi que apesar dos alunos avançados não saírem distribuindo vogais à torto e a direito, o ritmo e entonação de suas frases ainda era muito marcado pelo italiano. Na verdade, de acordo com o que eu já havia lido no passado, os italianos meio que rejeitam a adoção de um ritmo e entonação mais próximos de um English speaker.
Os alunos croatas
Na verdade, alunas. Eu tive umas 10 alunas da Croácia e todas tinham um inglês simplesmente excepcional. Algumas tinham uma pronúncia tão impecável que era difícil acreditar que essas meninas não tinham morado por um tempo nos EUA tamanha a naturalidade com que usavam a língua.
De fato, 80% dos croatas são multilíngues, com 81% desses sendo fluentes em inglês. Além disso, eles aprendem várias línguas na escola, como alemão, francês e italiano. Aliás, várias das minhas alunas tinham algumas disciplinas na escola em inglês, além de estudar outras duas línguas, ou seja... um domínio muito proficiente da língua mesmo. Na verdade, esse lance de ensinar outras disciplinas em inglês (tipo matemática, história, etc) é uma tendência muito forte na Europa - esse tipo de metodologia é chamada de CLIL (Content and Language Integrated Learning).
Bom, que elas eram impecáveis, não tem como negar. Nas minhas pesquisas descobri que os sons de muitas consoantes do croata estão no inglês, por isso a pronúncia delas era tão boa. Nunca precisei corrigir pronúncia de nenhuma delas!
No entanto, se eu tivesse que apontar um erro comum das alunas croatas, esse erro seria artigos. A língua croata não tem artigos (as palavras são declinadas), então elas sempre omitiam os the, a e an das frases. Mas diante de um nível tão alto, a falta de artigos é uma falha totalmente perdoável.
Os alunos turcos
Eu não sabia nada sobre a língua turca - a não ser relembrar vagamente a pronúncia de 'obrigado' e o doce 'baklava' que tive a oportunidade de provar quando estive em Istambul. A verdade é que no geral não consegui identificar características particulares dos alunos da Turquia porque obviamente não falo a língua. No entanto, eu notei duas coisas de forma geral: a falta de uso dos artigos (ou mistura deles) e o orgulho em ser da Turquia.
A primeira é fácil: muitas vezes ouvi alunos usando some ao invés de a/an ou colocando the onde não era necessário. Fui pesquisar a respeito e aparentemente não existe artigo definido na língua turca, além do conceito de substantivo contável e incontável ser mais vago do que em inglês.
A outra questão remete ao fato de que sempre, em qualquer oportunidade, os alunos falavam bem da Turquia e ficavam extremamente felizes e empolgados quando eu demonstrava saber alguma coisa sobre o país deles - quando eles mencionavam o "grande líder Ataturk" e eu acenava a cabeça mostrando que eu sabia de quem eles falavam ou quando eu dizia que baklava era uma delícia, a alegria era geral.
Enfim, a cada uma ou duas semanas eu tinha grupos diferentes, o que significa que foram facilmente uns 100 alunos diferentes nesse verão. Uma experiência única, sem dúvida alguma!