O pior dia da minha vida - parte II

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 (a primeira parte desse post está nesse link aqui)


Após ter sentido contrações, bolsa estourado, parido o meu bebê junto à coágulos e ter vivido um dos piores momentos na minha vida, eu voltei a sentir pressão pra fazer força - e a midwife já tinha dito que eu tinha que expelir a placenta.


Como eu só expelia coágulos, a midwife H. me sugeriu ficar sentada na comode por um tempo pra gravidade ajudar nessa expulsão, e fazia sentido mesmo. Porém do nada começou a me dar uma tontura. O R. veio até mim, mas não lembro de mais nada porque desmaiei. O que não havia nos ocorrido até ali é que eu já tnha perdido muito sangue e minha pressão baixou.


Eu nunca tinha desmaiado na vida, e a sensação que tenho é de que estava sonhando, sonhando com um ginásio esportivo. Enquanto isso, R. já tinha aberto a porta do quarto e pedido ajuda porque tombei pra frente e comecei a fazer um barulho como se estivesse tendo uma convulsão. Assim que a enfermeira chegou no quarto (pelo que ele me contou, pois eu estava desmaiada), eu vomitei. E então acordei com ela jogando água em mim, segurando meu cabelo e dizendo "you poor thing, oh my god". Parecia uma cena de filme, começou a chegar mais gente - outras enfermeiras ajudando a midwife a me levantar do comode e me colocar na cama.




Eu não entendia absolutamente nada do que tava acontecendo, tanto que a primeira coisa que falei foi "I was dreaming". Cansaço, perda de sangue, pressão baixou e desmaiei - até óbvio, mas pra quem nunca tinha visto nem passado por isso antes... Fiquei desolada porque vomitei no meu relógio, alianças... o R. foi limpando pra mim enquanto as enfermeiras me ajudaram a trocar de camisola e me limpavam. Foram momentos meio tensos, mas a tontura passou. No entanto, eu sentia a vontade de expulsar alguma coisa, aquela pressão como pra ir no banheiro. Então elas forraram a cama e os coágulos passavam ali mesmo - foi literalmente uma combinação de sangue, suor e lágrimas. 


A midwife apertava minha barriga mas só saíam coágulos, nada da placenta. Foi quando chamaram a médica pra me avaliar. Ela trouxe consigo uma máquina de ultrasom pra ver a posição da placenta, que ainda tava muito lá em cima. Porém, ela decidiu que ia tentar retirar com um instrumento, e alguns minutos depois voltou com a midwife. Eu, R., médica e midwife no quarto. Elas pediram meu celular pra usar a tocha pra iluminar bem a região (cômico se não fosse trágico) e com aquele aparelho usado nos exames de papanicolau, abriram a minha região vaginal pra observar o colo do útero e tentar puxar a placenta. O que dizer? Não foi nada agradadável. Doeu bastante, e infelizmente a placenta não vinha inteira, apenas pedacinhos. Então a médica decidiu me dar mais uma dose de remédio pra acelerar as contrações e também uma injeção na perna.


A injeção foi na região da coxa e doeu MUITO, mas eu tava aliviada de não ter mais os instrumentos na vagina. Me deram ocitocina e disseram pra esperar umas duas horas. Nesse período eu sentia a pressão, cólicas, mas nada da placenta, somente mais sangue e coágulos. A enfermeira vinha no nosso quarto a cada 15 minutos pra checar - eu tava me sentindo bem (não tive mais tontura), e vez ou outra ela empurrava minha bariga com força pra ajudar na saída da placenta, mas nada.


Até que as duas horas se passaram. A médica voltou e fez um novo ultrassom: a placenta continuava no mesmo lugar. Juntamente com a midwife elas tentaram novamente puxar a placenta usando instrumentos como os do exame de papanicolau, porém ainda sem sucesso. 


Como eu ainda tava perdendo muito sangue, não seria prudente esperar a placenta sair sozinha e um procedimento cirúrgico seria necessário. A médica me explicou que era um procedimento de sucção, e que apesar de haver um risco de perfurar outros órgãos, era rápido e relativamente simples. Tive que dar o meu "aval" (como se tivesse escolha) e ela saiu da sala. Nessa altura do dia eu já estava esgotada, triste, assustada, mas pensei que seria um procedimento onde me dariam uma anestesia geral, fariam a retirada da placenta e eu acordaria no quarto após o fim do pesadelo. No entanto, não foi bem assim.


Poucos minutos depois entrou na sala o anestesista - se apresentou e perguntou se eu havia comido alguma coisa nas horas anteriores. Explicamos que eu havia comido porém vomitado, e ele disse que mesmo assim não era seguro dar uma anestesia geral e que nesse caso eu levaria uma anestesia como a epidural. Quando eu ouvi a palavra EPIDURAl, parece que não ouvi mais nada da explicação dele. Enquanto ele falava como seria o procedimento anestésico, eu ouvia um eco na minha cabeça e pensava: "epidural? coluna? epidural?". Quando ele saiu da sala, tive que pedir pro R. me explicar tudo de novo porque eu não tinha conseguido prestar atenção em nada.


Mais um tempo depois tive que assinar uns papéis e chegou a midwife com outro enferemeiro pra me transferir pra uma maca. Nesse momento eu comecei a sentir um medo muito, muito grande. Eu nunca tinha feito uma cirurgia na minha vida, e o R., que tinha ficado comigo a todo instante, não poderia ir junto. Me colocaram na maca e me levaram pra sala de cirurgia. Eu me senti num seriado médico, enquanto olhava pro teto dos corredores do hospital, e não acreditava que aquilo tava acontecendo comigo.


Quando fiquei sozinha



Chegando na sala, eu levei um susto: aquela luz branca e uma equipe enorme de profissionais: eu contei duas médicas, o anestesista, o assistente do anestesista, umas três enfermeiras, fora a midwife e o enferemeiro que me levaram até lá. Parece que eles tinham ensaiado uma coreografia, pois cada um sabia exatamente onde deveria estar e o que precisaria fazer. Me tranferiram pra uma cama e um já foi medindo minha pressão enquanto outro ia medindo a oxigenação, uma loucura. Fui ficando assustada com os barulhos das máquinas e com o que estava prestes a acontecer.


Me pediram pra sentar na cama, pois como o anestesista já tinha explicado, essa injeção é dada na coluna. No entanto eu comecei a ficar tonta e tive tempo de verbalizar - a midwife interferiu e pediu pra me colocarem de lado urgente, e muitas mãos apareceram pra me deitar de lado. A tontura logo passou, e quando me senti melhor pra sentar de novo e a tontura não veio, a midwife saiu da sala. Esse processo da anestesia demorou muito, mas não sei precisar o tempo, porque eu tinha perdido a noção de tempo nessa altura do dia. Eu sentei e abracei um travesseiro, mas a posição ainda não estava boa o suficiente e o anestesista me pedia pra expor mais a lombar... até lembrei do pilates, em colocar o abdomem pra dentro e ri por dentro, porque minha barriga doía tanto que não teria a menor condição de fazer mais nada. Mas consegui, e levei a primeira picada pra adormecer a região da coluna. Essa primeira picada doeu.


No entanto, depois da pele estar anestesiada, aí sim o anestesista veio com a epidural mesmo, na coluna. Não senti nada, deu tudo certo e me deitei de barriga pra cima. Ele espirrou um jato frio no meu ombro e disse que espirraria o mesmo jato por todo o meu corpo começando do pé, e que assim que eu sentisse a mesma sensação de frio que tive no ombro, que o avisasse. Ele começou com o spray no pé e eu não senti nada. Joelho, nada. Coxas, nada. E somente quando chegou na barriga, quase nos seios mesmo, é que senti o gelado. 


Eu achei que não teria sensação nenhuma nas pernas, mas eu sentia o peso delas, como se a perna estivesse dormente e eu não tivesse forças pra tirá-la do lugar. Eles colocaram minhas pernas em uns apoios, e dando o sinal de ok pra médica, colocaram também uma cortininha pra que eu não visse nada. 


Antes mesmo do procedimento começar de fato, comecei a sentir muito frio. Achei que fosse porque a sala era fria mesmo, ou porque eu estivesse com um medo que nunca tinha sentido. Comecei, inclusive, a tremer de frio. Trouxeram cobertores quentes, umas toalhas aquecidas e colocaram no meu colo, na altura dos seios, pescoço, e até enrolaram minha cabeça com uma dessas toalhas. Mas eu continuava me debatendo de frio: meu braço direito, por exemplo, estava apoiado numa "tala" pois eu precisava manter o braço que recebia o soro e medicação esticado. Uma das enferemeiras segurou minha mão nesse momento pra ajudar a segurar a tremedeira, e não soltou mais minha mão até o final. Pensar nisso me emociona muito, porque ter essa enfermeira segurando minha mão ajudou a me acalmar um pouco.


Mas mesmo com a enfermeira segurando minha mão, não consegui segurar as lágrimas: a princípio, comecei a chorar baixinho pensando no quão surreal era viver essa experiência. Depois, o choro foi crescendo, e comecei a soluçar muito, muito alto. A outra enfermeira perguntou se eu tava bem, se eram os barulhos da sala que estavam incomodando, se eu tava com dor. Mas não era dor física, não eram os sons. Era simplesmente a constatação de que meu bebê nasceu antes do tempo, sem vida. Que eu tava passando por uma cirurgia. Que eu tava naquela sala sozinha sem o R., que aquele era o dia mais triste da minha vida. E eu soluçava falando muito alto "this is the saddest day of my life, this is the worst day of my life", foi muito, muito ruim. Esse pra mim foi o pior momento daquele dia. Me senti sozinha, pequena, com medo, muito medo.


A enfermeira tentou me acalmar e até ofereceram fone de ouvido pra eu não ouvir o barulho da máquina que faria a sucção da placenta, mas eu não me importei com o som. Eu perdi um pouco a noção do tempo, mas não demorou muito mais pra eu perceber que já tinha terminado. Perguntei se já tinha acabado e se eu poderia ver a placenta. A médica então veio perto e me mostrou num tubo de ensaio um pedaço da placenta, mas misturada ao sangue não consegui distinguir bem - a não ser um tecido meio branco. Após o procedimento colocaram um catéter em mim pra não precisar fazer xixi no banheiro - nem preciso dizer que essa foi mais uma experiência nova pra mim.


Depois disso, me transferiram pra maca novamente, me cobriram com mais cobertores (eu ainda tremia muito) e foram limpando a sala de cirurgia, mas fiquei ao lado em observação. Acho que se passou mais ou menos meia hora quando me levaram de volta pro quarto onde o R. me esperava.


Enquanto tudo isso acontecia na sala de cirurgia e eu lá por mais ou menos duas horas, o R. ficou sozinho no quarto pensando que ali se consolidava a tragédia de sua vida. Ele achava que agora que tínhamos perdido nosso bebê, era naquela sala de cirurgia que ele perderia a esposa - e chegou inclusive a pensar que estava sendo castigado por não acreditar em deus ou algo assim. Pensou que a tragédia tava escrita, e que após perder o bebê e a mim, não teria mais motivos pra seguir nesse mundo. Enfim, ele tava muito preocupado, e também passou um tempo conversando com nosso bebê que seguia no quarto.


Quando voltei fiquei aliviada em vê-lo, e tava morrendo de fome. Eu tinha comido a última refeição umas 5pm e já eram quase 3 da manhã - fora que eu havia vomitado. Então a enfermeira foi fazer uma torrada e um chá pra mim, e eu tinha levado um pedaço de um bolo de cenoura que fiz no dia anterior. Aquele bolo me trouxe um conforto inexplicavável.


Dormimos poucas horas - ele menos ainda, numa poltrona desconfortável. Lá pelas 6 da manhã, a midwife veio tirar sangue, medir minha pressão... e se despedir também, porque era o fim do turno dela. Agradeci muito a H. por ela ter cuidado da gente, e desejei que ela tivesse um bom descanso. Na hora de sair, ela perguntou brincando onde eu tinha arranjado um cara daquele, e entre risadas dissemos que na boa e velha internet. Não sei como foi a experiência dela com outros parceiros nesse tipo de situação, mas o R. se entregou de corpo e alma, cuidou de mim em todos os momentos, chorou, fez de tudo. Se antes dessa experiência traumática eu já sabia que tinha escolhido um parceiro de vida maravilhoso, depois dessa experiência eu saio com a certeza de que eu o amo mais ainda.


Bom, lá pelas 8 da manhã a médica veio no quarto dizer que a cirurgia tinha ido bem, e que se eu estivesse me sentindo bem poderia ir pra casa. Me deu muita esperança, eu queria minha casa, minha cama, minhas gatinhas. No entanto, umas duas horas depois um outro médico entrou na sala com os resultados do meu exame de sangue feito pela manhã. A notícia é que como eu havia perdido muito sangue meus níveis de ferro foram lá pra baixo e eu precisaria ficar em observação no hospital, que talvez precisasse até de transplante de sangue. Chorei tanto com esse anúncio, fiquei desolada. A midwife depois veio tirar o catéter porque eu havia pedido, estava me incomodando muito, e eu implorei pra ir pra casa. A J. disse que eu até poderia ir pra casa, mas assinando um termo que estava indo contra aconselhamento médico. Que ódio. Tive que engolir o choro e aceitar que passaria mais um dia no hospital.


Nesse ponto eu ainda tava sangue, suor, vômito e lágrimas do dia anterior. Pedi pra tomar um banho, e embora o R. tenha ido comigo, acho que a adrenalina ainda tava alta e consegui tomar banho sozinha de boa. Voltamos pro quarto e passamos o dia sozinhos lá, com visitas esporádicas da J., a midwife.


Foi realmente nesse dia, sábado, que a dimensão do que tinha acontecido no dia anterior começava a fazer sentido pra nós. Choramos muito, e pedimos que o bebezinho fosse levado pra uma sala que eles chamam de quiet room onde colocam os bebês em casos como o nosso. Ele já estava mais desidratado, afinal, não estava vivo. Foi mais um momento difícil, e quando a enfermeira o levou do quarto nós choramos mais e decidimos que nós mesmos queríamos levar o bebê ao crematório quando fosse necessário.


O cansaço do dia anterior bateu e consegui tirar uma soneca de algumas horas enquanto o R. me observava no quarto. Depois ele saiu pra dar uma volta no hospital e voltou pra ficar comigo. Como passaríamos mais uma noite lá, mandamos mensagem pros nossos vizinhos pra que eles fossem checar as gatinhas pra nós, mas infelizmente eles estavam viajando. Tentamos uma outra pessoa, amigo do R. que mora na região, mas ele também tava fora da Irlanda. Nessa hora, eu parecia uma paranoica chorando desesperada porque as gatinhas estavam sozinhas em casa. Bobagem, pois já ficaram mais de 48h sozinhas outras vezes, mas eu não tava exatamente com todas as faculdades mentais em dia naquele momento. Chorando, implorei pro R. voltar pra casa pra cuidar delas um pouco e voltar pra passar a noite comigo. Ele concordou, e foi nesse período que fiquei umas 3 horas no hospital sem a presença do R.


Foi bem tranquilo, pra ser sincera. Fiquei pensando e me deu muita vontade de contar pra mais pessoas o que havia acontecido - até então apenas poucas amigas e algumas pessoas na família sabiam. Postei uma foto no instagram, mas com uma descrição bem vaga do que tinha acontecido, sem detalhes - os detalhes eu sabia que ia precisar de tempo pra processar e coragem pra compartilhar. Comecei, imediatamente, a receber MUITAS mensagens de apoio, carinho e suporte. Muitas MESMO. Então embora eu estivesse fisicamente sozinha durante essas horas no hospital, eu não me senti só em nenhum momento.


No retorno do R. conversamos um pouco, e conseguimos dormir mais essa noite. Fui acordada bem cedinho pela midwife de novo, ela tirou meu sangue pra analisar os níveis de ferro mais uma vez. E de novo, lá pelas 10 da manhã, o médico do dia anterior voltou e disse que embora o ferro ainda estivesse muito baixo, não tava caindo mais. Perguntou se eu tava bem em ir pra casa, e eu respondi que o que eu mais queria era voltar e ele disse que me daria alta então. Foi um alívio saber que naquele domingo eu voltaria pra casa!


Um outro procedimento feito na maternidade é que eles tiram fotos do bebê pra você. Pode parecer macabro, mas de novo, é algo novo que eles tem oferecido e que aparentemente ajuda muitas famílias a darem um "closure" pro ocorrido. Confesso que eu não queria fotos, e só tive coragem de tirar uma foto do bebê no meu celular. Mas a midwife explicou que as fotos ficam num cartão de memória, e se você não quiser as fotos, não precisa olhar - o cartão fica na sua ficha no hospital por 50 anos! Então se daqui a décadas você mudar de ideia e quiser ver, as fotos estarão lá. 


O R. pediu a câmera e ele mesmo fez as fotos do bebê na cestinha, com a manta. Depois a J. veio e tirou fotos nossas juntos - a foto de família mais macabra, triste e sem sorrisos da nossa vida. Eu ainda não     quis olhar pra essas fotos, mas sei que um dia vou querer. Trouxemos o cartão de memória pra casa.


Fomos embora do hospital, e os dias que se seguiram foram um misto de tristeza, cansaço, alívio e um vazio absolutamente devastador. Lembrei das palavras de uma das enfermeiras, que me disse que a falta de ferro ia "bater" uns dias depois que a adrenalina tivesse baixado e putz... ela tinha muita razão. Eu subia as escadas de casa e meu coração ía a 130 batimentos por minuto. Dormia muitas horas e também tirava sonecas durante o dia, e assistíamos algumas séries pro dia passar. Foi uma semana muito difícil!


Na verdade, logo na segunda ligamos pra chapelão do hospital, a A.M., que nos disse que poderia fazer o pedido do caixão e que no dia seguinte estaria pronto. Na terça ela nos ligou confirmando que poderíamos ir pra lá e fomos até o hospital buscar o bebê. Estacionamos numa vaga que deixaram pra nós (estacionar naquele hospital é praticamente impossível a qualquer hora do dia) e entramos num outro prédio separado, ela tava na porta nos esperando. Nosso bebê estava na mesma cestinha, ao lado do caixão, que era do tamanho de uma caixa de sapato, todo branco com uma placa dourada que dizia "Baby of Bárbara and R.".


Ela nos deixou sozinhos na sala, o R. chorava muito. Eu já me sentia fora do corpo de novo, como se aquilo não tivesse acontecendo. Quando ela voltou, perguntou se queríamos colocar o bebê no caixão ou se preferíamos que ela o fizesse, e o R. se prontificou. Quando ele ajeitou o bebê, colocamos e parafusamos a tampa juntos. De lá, fomos até o crematório, que fica a uns 10 minutos de carro do hospital.


Optamos por não fazer uma cerimônia porque teríamos que ter organizado tudo, e não tínhamos cabeça nenhuma pra pensar em nada - dirigir até lá já foi difícil o suficiente. Entregamos o caixão na recepção com os papéis do hospital, e foi uma coisa mais burocrática de checar os dados, fazer o pagamento e confirmar que em alguns dias as cinzas estariam prontas pra irmos buscá-las. Eu já tinha me despedido no carro, mas mesmo assim, entregar o caixão e dar as costas foi mais um momento difícil - mais um pra coleção de momentos inimagináveis, os quais nunca pensamos que viveríamos.


Quando buscamos as cinzas uns dias depois, já não choramos tanto - escolhemos uma urna branca, simples, que tá aqui na nossa estante. Inicialmente queríamos espalhar as cinzas, mas ainda não decidimos onde tampouco quando o faremos. Na verdade, já tive uns momentos desesperados de falar que não quero me despedir, não quero "let go", então por enquanto as cinzas ficam conosco.


A vista do nosso quarto no hospital



E é isso: os dias depois desse pesadelo continuaram cheios de altos e baixos - muitos mais baixos, diga-se de passagem. Mas estamos nos cuidando, sobrevivendo, fazendo terapia e já tivemos uma sessão com a própria bereavement midwife do hospital também. Agora em janeiro, mais de um mês após o ocorrido, ela nos ligou oferecendo apoio.


Mesmo tendo narrado os fatos desse fim-de-semana horrível em nossas vidas, ainda me pego pensando que não há palavras pra descrever o que sentimos: a raiva, o medo, a tristeza, a melancolia, a saudade de uma vida inteira não vivida com esse bebê, a frustração dos planos que não virão a se concretizar, a morte de um sonho, a morte. Mas um dia após o outro vamos nos reerguer, a vida continua, ainda há vida em nós e temos um ao outro.


Gostaria de agradecer as mensagens de texto, aqui no blog, no meu direct, em tantos lugares. Mensagem de amigos, colegas, gente que nem conhecer pessoalmente eu conheço mas que pensou em nós, que torce por nós. Me sinto honrada e muito grata em ter essa comunidade de amor ao nosso redor.

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